Últimas Notícias>Coronavírus|z_Areazero
|
6 de maio de 2020
|
18:02

Covid-19: Estratégia de testagem será determinante para nova fase de distanciamento controlado

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br
Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

Luciano Velleda

Depois de atravessar o mês de abril com pouca capacidade para realizar testes que detectam o novo coronavírus, o Rio Grande do Sul lentamente inicia o mês de maio com uma perspectiva melhor. Segundo dados do Governo do Estado, se até o final de abril foram feitos apenas cerca de 7,5 mil testes, neste mês a estimativa é ter 75 mil testes PCR para serem aplicados, quantidade que se soma aos 216 mil testes rápidos enviados pelo Ministério da Saúde. Com a maior aquisição de testes e a habilitação de novos laboratórios para realizar o exame, a questão passa a ser como usar de forma correta essa ferramenta considerada fundamental no enfrentamento da pandemia.

Para o doutor Ricardo Kuchenbecker, professor de Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é preciso aprender com as melhores experiências obtidas até o momento. Neste caso, o professor cita especificamente a Coreia do Sul e a Alemanha.

Kuchenbecker explica que ampliar a testagem da população é a estratégia correta para isolar os infectados, deixar seus contatos próximos em casa e, assim, diminuir a disseminação comunitária. “O padrão de contaminação comunitária precisa ser melhor compreendido. As pessoas se assustam pra ir no supermercado, existe o risco, mas o grande risco não é na superfície da embalagem do ovo. O maior risco é nos domicílios, onde as pessoas, às vezes, vivem num grau de aglomeração muito grande, como é o caso do Brasil. A maior parte das transmissões comunitárias na Coreia do Sul se deu no contexto familiar. Saber disso permitiu com que a Coreia do Sul controlasse o surto e esteja se preparando agora para as novas ondas, já que a população não é imune.”

No caso da Alemanha, o professor da UFRGS e também Gerente de Risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre explica que, em algumas cidades do país, os testes estão sendo aplicados na população em geral e, quando se encontra uma pessoa contaminada, as equipes médicas então vão atrás dos seus familiares e pessoas da convivência, para entender o padrão de circulação do vírus nas comunidades.

“São dois exemplos diferentes, mas ambos baseados no uso racional dos testes”, afirma Ricardo Kuchenbecker. “Sem uma estratégia de testagem, é muito difícil a gente entender o comportamento do vírus na perspectiva de sua transmobilidade e aquilo que pode ser feito para evitar.”

É dessa forma, ele destaca, que países como Coreia do Sul e Alemanha, mesmo usando proporcionalmente bem menos testes em relação ao total de suas populações, conseguiram fazer uso estratégico da ferramenta, aplicando-a em quem mais precisa e se antecipando ao vírus. A questão passa a ser definir qual segmento da sociedade priorizar. Kuchenbecker cita como prioritários os profissionais de saúde, idosos e pessoas portadoras de doenças crônicas, por exemplo. 

“Não é um processo fácil. Temos que aprender com experiências como a da Alemanha, que faz um uso mais criterioso, ou seja, vai até as comunidades e testa de modo a ter uma amostra representativa. Ao encontrar indivíduos positivos, vai e busca os seus contatantes e os testa também. Ir atrás de casos, mapear precocemente, identificar os contatantes, colocar os casos em isolamento e os contatantes em quarentena domiciliar, são estratégias importantes”, afirma o epidemiologista.

São Leopoldo. Foto: Reprodução/Prefeitura de São Leopoldo

São Leopoldo

Com um laboratório municipal apto a realizar exames de covid-19, a cidade do Vale dos Sinos tem se empenhado em aumentar a capacidade de testagem. Até o momento, São Leopoldo realizou em torno de 800 testes. Com os kits enviados pelo governo federal e outros comprados, o município tem atualmente cerca de 2.500 testes para serem feitos até o final de maio. 

“A testagem nos dá uma orientação estratégica de como enfrentar o coronavírus, nos dá uma amostragem muito profunda da real situação do município”, afirma o prefeito Ary Vanazzi (PT).

Ele explica que os dados da contaminação sempre foi considerado um fator importante na estratégia para enfrentar a pandemia do novo coronavírus. Vanazzi diz que as equipes de saúde da cidade acompanham as pessoas que testam positivo e suas famílias.

Como exemplo, cita o caso de um morador que testou positivo e depois se descobriu que trabalhava num frigorífico em Garibaldi. A prefeitura foi atrás e identificou que outros 100 moradores de São Leopoldo também trabalhavam no mesmo frigorífico. Destes, 70 já foram testados e 50 estão com coronavírus. 

“Isso é uma forma de ter a dimensão e o controle da ampliação da pandemia, qual a região da cidade e qual o foco gerador, que neste caso era o frigorífico”, destaca o prefeito. Com a descoberta do foco da transmissão no frigorífico de Garibaldi, foi possível alertar o Governo do Estado, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério da Saúde (MS) para as devidas providências. 

“Isso deu possibilidade para a empresa tomar as suas medidas, e nós acompanharmos os nossos moradores para que não se alastre mais nos bairros em que eles vivem. Então, a testagem é tudo o que se precisa para fazer um trabalho sério, responsável, e evitar uma tragédia na cidade. Para nós, a testagem é estratégica, e deve ser também para o Governo Federal e para o Governo do Estado, mas infelizmente não é”, afirma Ary Vanazzi.

Epidemiologista da UFRGS, Ricardo Kuchenbecker alerta para a importância de pensar a crise a partir do conceito de focos epidêmicos. Foto: Giulia Cassol/Sul21

Regionalização

Com o atual conhecimento sobre o estágio da contaminação nas mais diferentes cidades do Rio Grande do Sul, Ricardo Kuchenbecker acredita que a tomada de decisão, a partir das realidades regionais, é o melhor caminho a ser adotado. A análise vai ao encontro do novo modelo de distanciamento social, chamado de distanciamento controlado, que o Governo do Estado colocará em prática na próxima semana.

Kuchenbecker explica que, de modo geral, a curva epidêmica no Rio Grande do Sul e na região metropolitana apresenta um reflexo claro das medidas de distanciamento social adotadas a partir de meados de março. “A adesão da população de Porto Alegre e da região metropolitana têm efeito no baixo índice que temos hoje na utilização de leitos para pacientes covid-19. Houve um impacto a ponto de diminuir a taxa de transmissibilidade do vírus.”

A situação muda, porém, quando se analisa o cenário de outros municípios, como Passo Fundo e Lajeado, que tiveram um rápido crescimento de casos nas últimas semanas. “São focos epidêmicos que preocupam. O ritmo de crescimento de casos nessas cidades é muito mais preocupante do que em Porto Alegre. Tão ou mais importante do que olhar para o Estado como um todo, é olhar para esses focos epidêmicos.”

É com essa perspectiva que ele explica fazer mais sentido pensar uma política de distanciamento ou isolamento social com olhar regional. “Nosso desafio para os próximos meses, pra não dizer além de 2020, é ir concebendo diferentes cenários e avançar com acesso a testes, de modo a conseguir, progressivamente, liberar atividades econômicas e escolares, mas a partir do contexto local. É um desafio que implica uma capacidade de uso comunitário de informações e de tomada de decisões sem precedentes”, afirma Ricardo Kuchenbecker. “Faz mais sentido pensarmos em focos epidêmicos do que em epidemia para o Rio Grande do Sul.”

Segundo ele, o mesmo raciocínio vale para o Brasil, onde a região Norte (com as capitais Belém e Manaus) está em situação mais extrema, enquanto o Sudeste (com São Paulo e Rio de Janeiro) se encontra numa situação intermediária, e o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná estão em estágio mais inicial das curvas de contaminação.

“Faz mais sentido, num país de dimensão continental e heterogeneidades tão grandes em situações sócio-sanitárias, pensar em focos epidêmicos ao invés de uma curva nacional ou estadual, no caso do Rio Grande do Sul”, completa o Gerente de Risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Dessa forma, ele acredita que a flexibilização do distanciamento social e a retomada das atividades econômicas devem ser medidas de caráter local. “Não é por outra razão que o Governo do Estado vem aceitando as sugestões de que a gente construa uma regionalização, porque temos municípios como Uruguaiana com quatro casos e temos Passo Fundo, com 223 casos. Essa diferença é muito grande em relação aos focos epidêmicos e, inclusive, nos permite dimensionar que essas duas cidades estão em fases diferentes da epidemia, então a resposta local é que precisa ser enfatizada.”

Para ele, a retomada das atividades escolares, previstas para junho na rede pública e talvez ainda em maio na rede privada, precisa ser vista no contexto dos focos epidêmicos nas diferentes regiões do estado. “A retomada das aulas numa cidade como Porto Alegre, que tem hoje 473 casos, tem que ser pensada num contexto completamente diferente do que na cidade de Rio Pardo, que nesse momento tem um caso, ou Dom Pedrito, com dois casos.”

Instituto de Ciências Básicas da Saúde da UFRGS se soma ao esforço de ampliar os testes de covid-19. Foto: Flávio Dutra

O virologista Paulo Michel Rohes, professor do Instituto de Ciências Básicas da Saúde (ICBS/UFRGS), reforça a dificuldade da decisão de abrir o comércio e retomar as aulas. Ele enfatiza que o isolamento social diminuiu a chance de disseminação do vírus, enquanto a liberação das atividades econômicas leva a um cenário incerto. 

“É muito complicada essa situação, tem que ter muito cuidado, por isso se está buscando fazer uma liberação gradual. Se ‘chutar o balde’ e liberar tudo, muito provavelmente a infecção vai se disseminar mais rapidamente, mas também não temos como avaliar o quanto mais rapidamente seria”, pondera.

Paulo Rohes destaca que é preciso cautela, ainda que haja a pressão pela necessidade de trabalhar e ganhar o sustento. “É uma decisão complicada dos dois lados. Acho que é inevitável que a liberação vai ter que ocorrer, gradualmente, porque se começar a interferir demais na economia, ninguém vai aguentar.”

Nesse sentido, ele explica que se o aumento dos testes revelar que um grande percentual da população já se infectou com o vírus, e possivelmente está imune, poderia então haver maior liberação para o trabalho e a circulação em geral. Por outro lado, se os testes mostram que a maioria da população não teve contato com o vírus, essa parcela da sociedade permanece sujeita a se contaminar. “Isso vai indicar que, se o pessoal não respeitar mais o isolamento, a chance de a infeção se difundir é muito grande.”


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora