Ana Ávila
O presidente uruguaio, José “Pepe” Mujica, participou na tarde desta quarta-feira (10) de uma cerimônia que celebrou a relação entre o Rio Grande do Sul e o país vizinho. No Palácio Piratini, ao lado do governador Tarso Genro, Mujica defendeu a união dos países latino-americanos, afirmou que há muito a fazer para solucionar os problemas sociais da região e defendeu que a regulamentação do consumo de maconha no Uruguai é uma experiência e, portanto, não pode recomendá-la ao Brasil. Questionado sobre sua relação com Dilma Rousseff e se conhece Marina Silva, candidatas à presidência do Brasil, o mandatário uruguaio foi direto: “Seria de mau gosto que eu, presidente do Uruguai, me pusesse a opinar sobre a política brasileira diante da imprensa”.
Mujica se limitou a dizer que o governo Dilma tem uma bela relação com o Uruguai, de muito respeito. “A outra senhora candidata, não a conheço”, disse sobre Marina.
Recebido aos gritos de “Pepe, querido, o Rio Grande está contigo”, Mujica interrompeu a fala mais de uma vez sob os aplausos das dezenas de pessoas que lotaram o Salão Negrinho do Pastoreio para ouvi-lo. Usando óculos escuros durante toda a solenidade, o mandatário foi assessorado na maior parte do tempo pelo governador Tarso Genro, que atuou inclusive como seu intérprete durante a entrevista coletiva concedida no salão Alberto Pasqualini. Na saída, Pepe precisou andar devagar, parando a cada par de passos para uma nova selfie.
Para Mujica, há muito a fazer ainda para resolver a gigantesca dívida social existente na América Latina. Segundo ele, o Brasil, por exemplo, passou muito tempo olhando para si. “É hora de nos acostumarmos a nos vermos como somos. Temos que recriar uma civilização comum na América Latina”, defendeu. “Temos que nos unir porque juntos somos maiores”, afirmou Mujica, para quem os os latino-americanos precisam atuar como aliados, e não competidores. Segundo ele, o Uruguai está “viajando no estribo do Brasil, não para ajudá-lo, mas para recordá-lo do papel que precisa cumprir”.
O mandatário uruguaio opinou também sobre a falta de credibilidade que goza a classe política e sua relação com o poder econômico. “Os que gostam muito de dinheiro é bom que se dediquem à indústria, ao comércio, a qualquer coisa, mas devem correr da política”, disse ele.
A si mesmo, Mujica se referiu como “um velho agitador social metido a governante”. “Nunca fui um modelo tradicional de presidente, eu não tenho culpa. Ele destacou que vive nas mesmas condições que a maioria de seu povo, embora tenha amigos em todas as classes sociais. Segundo ele, seu estilo de vida é sóbrio, e não austero. “Sóbrio quer dizer viver com pouco, porque quero sair e ter tempo, não para cuidar das coisas que tenho, mas para fazer as coisas que gosto, é o sentido da liberdade. Mas reconheço que não vou convencer ninguém e me consolo”, disse.
Sobre o crescimento do Partido Nacional em oposição a sua coalizão, a Frente Ampla, Mujica opinou que Tabaré Vázquez sairá vitorioso. “Eu lhe asseguro que a Frente vai levar a reeleição e a maioria parlamentar”, disse. Mujica atribuiu as críticas ao seu governo, em parte, à classe média do país, que comumentemente reclama da elevada carga tributária.
Maconha
Mujica afirmou que seu governo não legalizou as drogas. “Nós planejamos regular um mercado que existe, não fomentar um vício”. “Se eu tomar dois uísques por dia, não será bom, mas é suportável. Agora, se tomar um litro por dia, terão que me internar. Nós preferimos conhecer quem consome maconha e que tenha uma dose. Quando vemos que pode passar desse limite, convidamos que se interne para poder atendê-lo”. Ainda de acordo com o presidente, a regulamentação da maconha “não tem nada a ver com turismo e com todas essas bobagens que se diz por aí”. De acordo com Mujica, a luta de seu governo é contra o narcotráfico. “Pensamos que, se queremos mudar, não podemos seguir fazendo a mesma coisa em algo que temos fracassado. Não sabemos se o que vamos fazer será a solução, teremos que experimentar. Por isso, não podemos recomendar ao Brasil, um país gigantesco. Nós vamos fazer o experimento e depois vemos”, disse.
Cadeia Binacional Solidária do PET
O governador Tarso Genro comemorou os resultados compensatórios da amizade entre os dois países e destacou a Cadeia Binacional Solidária do PET como um exemplo de integração positiva entre os países da América Latina. “A integração que se dá por baixo é educativa, pedagógica, deve ser irradiada para outros setores”, afirmou Tarso. Segundo o governador, a humanidade está carente de exemplos como este. Ele citou o caso da Europa, assolada pelo desemprego entre os jovens, e onde “a integração é feita pelos interesses do capital”.
Pela manhã, Mujica e Tarso visitaram uma cooperativa de catadores no município de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos. No local está sendo instalada a primeira experiência da Cadeia Binacional Solidária do PET. Na ocasião, o presidente uruguaio destacou a luta para desenvolver um novo tipo de economia integrada através do trabalho e da solidariedade. O projeto, lançada há três anos em parceria pelos dois países, tem o objetivo de consolidar a produção no setor de reciclagem das garrafas plásticas, ampliando a renda e qualidade de vida dos catadores envolvidos no processo de transformação do PET em flake (pequenos flocos), depois em fibra e, por último, em tecido e artesanato.
Uruguai e Rio Grande do Sul assinaram, durante a solenidade desta tarde, um memorando que insere no calendário oficial dos dois governos a Semana da Cultura Gaúcha no país, evento realizado pela primeira vez em 2011.
Ainda nesta quarta, Mujica participa como painelista da quinta edição do Seminário Internacional Universidade, Sociedade e Estado, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Este ano, sob o tema “Desenvolvimento Sustentável para a Integração Regional do Cone Sul”.
