Opinião
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16 de janeiro de 2023
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06:54

Intentona bolsonarista: notas sobre um golpe fracassado (por Erick Kayser)

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Erick Kayser (*)

Na tarde do domingo, dia 8 de janeiro, o Brasil assistiu estarrecido as cenas da invasão as sedes do Congresso, Palácio do Planalto e STF por uma horda de alguns milhares de bolsonaristas. A ação foi um ato de terrorismo político que visava promover um golpe de Estado, destituir o presidente democraticamente eleito e recém-empossado, Luiz Inácio Lula da Silva, fechar Congresso e o STF e empossar Jair Bolsonaro como ditador. O golpe fracassou, mas o rastro de destruição deixado materializam as feridas deixadas na democracia brasileira.

A ação buscava inspiração em outras tentativas de tomada do poder pela força praticada pela extrema-direita em outros países, como a invasão do Capitólio pelos apoiadores de Donald Trump nos EUA ou ainda nos golpes promovidos pelo fascismo clássico. Mas, ao contrário da Marcha sobre Roma, que consagrou Mussolini como ditador da Itália, os fascistas brasileiros, com Bolsonaro tendo fugido para os EUA antes de encerrar seu mandato, não contavam com sua liderança para efetivar um assalto ao poder. Sem apoio popular e sem liderança, foi um movimento natimorto.

A intentona bolsonarista foi um plano completamente insensato, mobilizado a partir dos acampamentos golpistas instalados em frente aos quartéis militares após as eleições. Contavam que a partir do caos instaurado em Brasília, ganhariam adesões nas ruas do resto do país, tentando reeditar, como farsa, um novo “junho de 2013”. Sem um efetivo apoio popular, as cenas dos bolsonaristas destruindo ao patrimônio público gerou um efeito inverso, ganhando rapidamente uma repulsa majoritária na população. 

Noutra frente, acreditando que a “tomada de Brasília” conseguiria se sustentar, buscaram espalhar o terror pelo Brasil, tentando interromper fornecimento de combustível e energia elétrica. Em Rondônia e no Paraná, algumas torres de transmissão de energia foram derrubadas, tentaram também promover bloqueios em refinarias em diversos estados, debelados pelas polícias estaduais e pela ação ativa dos próprios trabalhadores da Petrobras. 

Os golpistas imaginavam ainda contar com o apoio das Forças Armadas para levar a cabo seu plano. Numa lógica um tanto tortuosa, apostavam que o Exército seria convocado para dar fim ao caos instalados por eles próprios e que, uma vez convocados, em vez de uma esperada repressão, receberiam a adesão dos militares. Mesmo que o plano seja surreal, as primeiras apurações apontam que, em parte, eles de fato contavam com algum apoio na caserna. A facilidade com que os terroristas conseguiram invadir os prédios públicos, só foi possível contando com a conivência de setores da polícia militar do Distrito Federal e do próprio Exército. Dada a fragilidade da invasão, posteriormente debelada com certa facilidade pelas forças de segurança, demonstraram que Lula, sabiamente, não assinou a GLO, convocando o Exército para reestabelecer a ordem. Dada a confusão do momento, não seria sábio arriscar com uma medida extrema que poderia eventualmente ter efeitos negativos opostos, como alguma vítima fatal. 

Passado o ataque golpista, a resposta o governo Lula, judiciário e Congresso, unidos buscando uma firme repressão aos golpistas, vai na direção correta. Desarticular toda a rede golpista que organizou e promoveu os atos de terrorismo em Brasília é um passo fundamental para restabelecer alguma normalidade democrática. A experiência histórica mostra que o fascismo só é derrotado com repressão rigorosa e um forte consenso social repudiando sua existência.

Contudo, mesmo que tenham falhado miseravelmente no objetivo de derrubar o governo e a ordem democrática, os golpistas foram vitoriosos no objetivo de invadir os prédios públicos. Provaram ser possível uma grande ação de vanguarda, sem precisar contar com a presença de Bolsonaro ou alguma outra liderança extremista. Isto, por si só, é um elemento perigoso. Nas redes extremistas, permitirá a construção de um tipo de narrativa triunfalista messiânica que poderá estimular ações violentas de células terroristas ou “lobos solitários”. A grande questão colocada é se passaremos a conviver com um novo sujeito político, o terrorista de extrema-direita? Para impedir isto, destruir os ovos da serpente do terror político é vital para a sobrevivência da democracia brasileira.

(*) Erick Kayser é historiador, mestre em História pela UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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