Opinião
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20 de janeiro de 2023
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18:50

É preciso respeitar a fila (por Luiz Marques)

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Luiz Marques (*)

Vivemos em uma sociedade hierarquizada por classes, gêneros e raças. Em alguns momentos, no entanto, experimentamos uma sensação de igualdade nas relações sociais, ao olhar para a frente ou para trás. No livro Fila e democracia (Ed. Rocco), escrito em parceria com Alberto Junqueira, Roberto DaMatta afirma que vivemos uma experiência democrática sempre que entramos numa fila de ônibus, banco, lotérica, loja, para assistir um show ou uma partida de futebol. Talvez o adágio popular “quem espera, sempre alcança” tenha origem na – bem humorada – conclusão de alguém que estava por último na fila, mas conseguiu ser atendido como costuma acontecer.

A ideia de que há um ciclo a ser percorrido, antes de se chegar a um objetivo está presente, na religião, através da prática de orações. Na economia, pelo esforço da poupança acumulada para adquirir uma determinada mercadoria. Na política, pela delimitação temporal dos mandatos para o Legislativo e o Executivo. Ao final dos ciclos, sabemos se as preces foram contempladas por Deus; se os desejos se realizaram no Mercado; e se as esperanças naqueles candidatos que elegemos como representantes corresponderam, ou não, às nossas expectativas com suas ações no Poder.

Nas filas, o ciclo tem começo, meio e fim. O mesmo sucede nos três domínios básicos de nossa metafísica cidadã: a religião, a economia e a política. O resultado das eleições, de 30 de outubro de 2022, mostraram que a religião precisa prometer menos. Não nos esqueçamos das diversas igrejas (sobretudo neopentecostais) que, em plena pandemia, promoviam aglomerações com o pensamento mágico sobre a capacidade da fé proteger os fiéis, sem a obrigatoriedade do uso de máscaras e até sem a vacina. O negacionismo provocou incontáveis óbitos até perder o pleito nas urnas. 

As eleições mostraram também que as desregulamentações do mercado (sem estocagem apropriada para segurança alimentar da população e controle da inflação) jogaram 33 milhões de pessoas no abismo da fome e deixaram outros tantos sem previsão de alimento no dia seguinte. O mandamento neoliberal do Consenso de Washington contra as regulamentações pelo Estado perdeu o equilíbrio, tropeçou e caiu. Já havia fracassado nos Estados Unidos, conforme se viu na crise bancária e imobiliária, de 2008. Os neoliberais, como os neofascistas habitam uma dimensão paralela. 

Ambos relutam em aprender; uns, com a história e, outros, com a democracia. As eleições ainda mostraram que as impolíticas públicas do governo Bolsonaro / Guedes, baseadas nas privatizações a preços de liquidação, arrocho salarial, desemprego em massa, desindustrialização e austeridade fiscal se revelaram um grande fracasso para o povo, para o país (e o mundo). “Perdeu, mané”.

Quem fura a fila, rasga o princípio da ordem de chegada que, ao mesmo tempo, é hierárquico e igualitário. Quem rejeita o saldo apurado na contagem dos votos, rasga o princípio da maioria, que em qualquer democracia é usado para legitimar as escolhas da coletividade. Os primeiros, são moralmente condenáveis. Os segundos são constitucionalmente imputáveis, pois cometem um crime contrário ao Estado de direito democrático. Pertencem às hordas da extrema-direita.

No caso concreto, ocorrido em 8 de janeiro do corrente ano, precisam responder perante a lei. Afora indenizar a União pelos gastos diretos e indiretos para restaurar o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e a sede da Suprema Corte do Judiciário. Nenhuma anistia deve ser concedida aos golpistas, que agiram como talibãs destruindo o patrimônio material (físico) e imaterial (simbólico). Ignorantes, não pouparam as obras de arte. São inimigos de morte dos valores civilizatórios.

Os autodesignados “patriotas” (sic) não possuem cultura democrática. Orientam sua conduta com a régua da violência, ao revés da palavra que é a essência da política dialógica. Seu líder, fujão e covarde, é um velho puxa-saco de torturadores da ditadura militar e de milicianos corruptos, para os quais o “capetão” & filhos prestaram várias homenagens como parlamentares. Nenhuma novidade.

(*) Docente de Ciência Política na UFRGS, ex-Secretário de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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