Opinião
|
2 de dezembro de 2022
|
14:42

Lula 3: foco no mercado interno em busca da retomada (por Flavio Fligenspan)

Foto: Ricardo Stuckert
Foto: Ricardo Stuckert

Flavio Fligenspan (*)

No dia 1º de dezembro, quinta feira, o IBGE divulgou as informações sobre o desempenho da economia brasileira no terceiro trimestre do ano. Com pequenas variações para mais e para menos, os números corresponderam ao que se esperava, com desaceleração da atividade (0,4% de expansão do PIB em relação ao segundo trimestre do ano, descontados os efeitos sazonais, depois de três trimestres com taxas maiores, de 0,9%, 1,4% e 1,0%). Era pedra cantada desde a primeira metade do ano que o ritmo mais intenso verificado na passagem de 2021 para 2022 não resistiria ao aperto dos juros, à informalidade crescente no mercado de trabalho – com rendimentos baixos –, ao impacto da inflação, ao endividamento das famílias e ao aumento da inadimplência de pessoas físicas e jurídicas.

Junte-se a isto a tradicional incerteza de períodos eleitorais rebatendo negativamente sobre as decisões de consumo e investimento. Desta feita, porém, a polarização e o clima beligerante e de desconfiança nas instituições travaram ainda mais as decisões. Não bastaram os incentivos eleitoreiros de toda ordem nem o discurso otimista do Ministério da Economia; a economia começou a dar sinais de perda de força, algo que vai permanecer pelo menos no primeiro semestre de 2023. Os destaques negativos foram a Agropecuária (- 0,9% em relação ao trimestre anterior, descontados os efeitos sazonais), a Indústria de transformação (quase estagnada, 0,1% na mesma comparação) e o setor externo, pois as Importações cresceram mais do que as Exportações, 5,8% e 3,6%, respectivamente.

Mas há também algumas boas notícias na divulgação do IBGE. Olhando para os setores, a Construção civil e os Serviços seguiram em expansão (1,1%), ainda que as taxas sejam menores do que as dos trimestres anteriores, o que caracteriza a desaceleração. Pelo lado da demanda, o Consumo das famílias fez o mesmo movimento de desaceleração, mas manteve expansão (1,0%) – muito ligada aos Serviços, ou seja, trata-se de um consumo das classes média alta e alta, o que tem um desdobramento importante, gera empregos na base da pirâmide. A informação mais significativa, porém, é a da expansão dos Investimentos, com taxas positivas em dois trimestres seguidos, a despeito dos fatores de desestímulo apontados anteriormente. Tal desempenho vem sustentando taxas de investimento anualizadas (relação entre investimento e PIB) de quase 19%, numa franca recuperação dos períodos anteriores, tanto da recessão de 2015/2016, como do auge da Covid em 2020. As taxas atuais do investimento não deixam de surpreender positivamente, e podem estar indicando boas notícias para o futuro próximo.

Da combinação virtuosa entre expansão do consumo a curto prazo e expansão dos investimentos nos anos a seguir depende o sucesso do Governo Lula 3 na área da economia. Diferentemente de 2003, no primeiro Governo Lula, agora não se pode contar tanto com os estímulos externos advindos da expansão acelerada da China e de seus vizinhos orientais, o que elevou as quantidades e os preços internacionais das commodities exportadas pelo Brasil. Aquele foi um período favorável. Agora, bem pelo contrário, há perspectiva de, no mínimo, forte desaceleração na economia mundial, com os prognósticos mais pessimistas prevendo até recessão em alguns países, manutenção de taxas de juros elevadas, dólar valorizado e inflação bem maior do que no passado recente.

Porém, engana-se quem acredita na interpretação de que Lula 1 foi bem porque teve apenas muita sorte com o cenário mundial. A bibliografia é clara ao apontar os inúmeros estímulos ao mercado interno naquele momento, tanto pelo canal do mercado de trabalho – aumentos reais dos salários, influenciados pelo mínimo; aumento da fiscalização, para diminuir a informalidade; e aumento da escolaridade – como pela forte expansão do crédito, pelos programas especiais, como o Minha Casa Minha Vida e o Bolsa Família, e por diversos incentivos setoriais. Agora não deve ser diferente. Os compromissos históricos do PT com a geração de empregos e a redistribuição de renda apontam para a expansão do consumo. Atualmente, existem muitas possibilidades de geração de emprego em diversas áreas, antigas e novas, do que os projetos nas áreas de infraestrutura e ambiental são um ótimo exemplo, inclusive com interesse e apoio prévio declarado de financiadores internacionais. O potencial de geração de empregos é enorme, desde nas atividades de nível superior, até nas de menor qualificação. A rápida organização desses projetos e sua implementação é fundamental para o aumento do emprego e da renda que possam propiciar a ampliação do consumo.

Quando se olha para os investimentos, verifica-se também um campo aberto e visto com entusiasmo pelo capital internacional. Passado o vendaval do mau relacionamento com o resto do mundo civilizado e da destruição institucional, é possível atrair investimentos nas áreas de energia renovável, ambiental, e na grande área da infraestrutura, com destaque para as telecomunicações. A expectativa de melhor distribuição de renda e, com isso, ampliação do mercado consumidor sempre funcionou como chamariz para investimentos; há um enorme mercado a ser explorado, e os ativos brasileiros são considerados baratos neste momento no mercado internacional.

A realização deste potencial depende do rearranjo institucional – reverter o desmonte dos últimos anos –, o que tem como parâmetro a construção de marcos legais sólidos e respeitados e reformas que diminuam a incerteza empresarial e aumentem a eficiência, como por exemplo, a reforma tributária. Um processo decidido de reindustrialização, com amplo apoio à pesquisa, é condição necessária. Mas ele não se sustenta no tempo sem investimentos pesados em educação, tanto na base, com escola em turno integral, como nos níveis técnico e universitário.

Enfim, há muitos espaços a serem bem explorados no caminho do desenvolvimento, contudo isto exige boa articulação entre governo e capitais privados e reorganização institucional, o que inclui o Judiciário e o melhor ajuste possível com o Legislativo, através do convencimento a respeito da oportunidade e da viabilidade do projeto. Este novo arranjo não vai aparecer no primeiro semestre de 2023, até porque as condições macroeconômicas não são propícias neste momento, mas seus primeiros sinais podem e devem ser visíveis logo, até para mostrar a intenção da mudança e fazer disso um fator de entusiasmo às decisões empresariais. Quiçá no final de 2023 não possamos estar aqui debatendo sobre uma nova divulgação de números do IBGE que mostrem uma retomada do consumo e da taxa de investimento, sustentando um crescimento maior do PIB. Se isso ocorrer, mudamos a qualidade do debate público, ficarão bem menos importante as minúcias das contas públicas, até porque crescimento é a melhor forma de gerar receita e diminuir o déficit.

(*) Professor Aposentado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora