Opinião
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16 de dezembro de 2022
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18:20

Fase, onde a socioeducação acontece (por Debora Perin, Cristina Chazan e Ramiro Passos)

"A FASE é conhecida nacionalmente por diversas práticas socioeducativas exitosas" (Divulgação)

Debora Perin, Cristina Chazan e Ramiro Passos (*)

Após duas décadas de trabalho desenvolvendo a socioeducação na Fundação de Atendimento Socioeducativo – Fase, nos desafiamos a uma reflexão sobre o momento institucional. E, assim nos desafiamos na assertiva que o modelo socioeducativo do Estado do Rio Grande do Sul teve importantes avanços no que diz respeito as garantias contidas na Constituição Federal, Estatuto da Criança Adolescente – ECA e Sistema Nacional de Atendimento Socioeducação – SINASE (Lei Federal 12594/12).

A FASE é um espaço de privação de liberdade de adolescentes e jovens adultos que durante esse período da vida envolveram-se em situação de ilícito, ou seja, priva corpos juvenis da liberdade.

Como qualquer local que tem função de, na totalidade, atender um ser humano em sua completude, seja um hospital psiquiátrico, um presídio ou um centro juvenil, nesta perspectiva vive-se o cotidiano institucional intenso e fértil no campo das emoções.

A cada dia se apresentam novas situações envolvendo a complexidade do atendimento humano, ainda mais em fase tão peculiar da vida de adolescentes, nas quais questões fisiológicas e emocionais estão em pleno desenvolvimento.

Dito isso, historicamente, o espaço de privação é um ambiente tensionado pelas relações entre aqueles que precisam executar as ordens judiciais e os que sofrem as mesmas ordens. Diferente de outros lugares, os servidores da FASE/RS não utilizam no seu cotidiano institucional qualquer tipo de aparelho ou objeto de contenção que não seja a palavra, apoiada no vínculo adquirido com o jovem assistido, utilizando-se de princípios de convivência construídos coletivamente. Importante salientar que há avaliação individualizada por equipe de saúde, de forma a não abusar-se do uso de medicação ou contenção química.

O modelo de contratação da FASE é o regime celetista, há concurso público, mas não há garantias contidas no Estatuto do Servidor Público, portanto temos um número surpreendente de servidores que após sua aposentadoria continuam trabalhando para não ter perda considerável de renda e manter o sustento da sua família, assim a renovação do quadro ocorre lentamente, dificultando o salutar arejamento da instituição. 

Esse modelo de gestão faz com que a FASE seja gerenciada por pessoas com viés político-partidário e não por servidores de carreira, por exemplo como é na Superintendência de Serviços Penitenciários – SUSEPE. Nas últimas duas décadas, a política de recursos humanos da Fundação é atendida pelo mesmo grupo político, que estagnou a gestão não promovendo inovações quanto ao atendimento e qualificação dos servidores, verdadeira negligência que produzem violências nas relações institucionais, inclusive atualmente a FASE é objeto de inquérito junto ao MPT por questões de assédios diversos e discriminação diversas.

O momento institucional está extremamente tenso e agravado, devido a movimento abrupto do Governo do Estado, a revelia de uma mesa de diálogo com a representação dos servidores, coloca em votação, nesta semana, projeto de lei 194/22, que mudará o modelo de contrato de trabalho, com perdas significativas. 

Apesar de todas essas questões de interferência político-partidária na FASE, a evolução é percebida pelos que acompanham o desenvolvimento da socioeducação no Estado, estando os nossos Centros há anos sem questões graves de amotinamento, agressões sistemáticas, seja elas entre socioeducandos ou que envolvam servidores. 

Apesar de os adolescentes internos serem oriundos de locais fortemente marcados por grupos criminosos (facções de tráfico), no ambiente institucional da FASE conseguimos sustentar a convivência pacífica desses jovens, como dito, sem uso de qualquer instrumento coercitivo ou letal.

A FASE é conhecida nacionalmente por diversas práticas socioeducativas exitosas, tem um corpo funcional comprometido com atividades pedagógicas, profissionais, culturais e esportivas que são executadas cotidianamente nos seus Centros Socioeducativos, através do seu corpo funcional. 

Temos fortemente desenvolvido uma politica de adequação ao sistema nacional de socioeducação (SINASE) [1], que no último período sofreu descontinuidade por parte do Governo Federal, mas a Fundação, através do corpo de servidores, se manteve diligente e implementou importantes avanços para a adequação das suas estruturas físicas, com novas Unidade, no padrão SINASE, sendo construídas (Osório, Santa Cruz e Viamão). 

No que concerne a politica de atendimento e desenvolvimento da socioeducação, os servidores utilizam de forma cotidiana os princípios da comunicação não violenta e da cultura restaurativa para a resolução dos conflitos durante a execução das medidas.

Assim, não prospera o entendimento de que genericamente todos os servidores são violadores dos direitos de nossos adolescentes, contudo, as violações que ocorrem por parte de algum servidor, como exceção, devem ser alvo de investigação e das devidas sanções. 

Garantir que adolescentes em conflito com a lei tenham seus direitos efetivados é um grande desafio, pois a prioridade absoluta, como preconiza o ECA, em sua doutrina de proteção integral, ainda não é plenamente assegurada [2], seja antes do ingresso na FASE ou posterior ao desligamento do adolescente da mesma. Esta é uma responsabilidade que deve ser compartilhada entre Estado e Sociedade.

Os servidores da Fundação tem o grande desafio de atender jovens oriundos das periferias, com marcas de exclusão social e marginalizados, sendo que, muitas vezes, a cultura de exclusão atinge também aos que trabalham com essa população. Afirmamos aqui que a invisibilidade é uma política de exclusão [3]. Estes adolescentes em conflito com lei e seus socioeducadores por delegação estatal são visíveis de fato e invisíveis de direito. Estar a margem é ser colocado a distância da visão da sociedade, quem socioeduca é precarizado pelo sistema da máquina estatal e social por cotidianamente cuidar da juventude em conflito com a lei. 

Reafirmamos que os casos noticiados através da Defensoria Pública do Estado devem ser investigados, assegurando aos servidores os mesmos direitos que buscamos para os nossos jovens, de uma defesa técnica e ampla, garantido-lhes o contraditório e, se for o caso, as sanções na forma da lei.

Enfim, não podem os mais de 1.700 servidores da FASE serem novamente marginalizados por uma possível agressão ocorrida em uma das 16 Unidades que atendem o estado do Rio Grande do Sul. 

Nosso trabalho tem valor e é referência no atendimento socioeducativo sendo base para a construção de diversos programas de atendimento nacionalmente.

Notas

[1] O Sistema Socioeducativo reúne vários órgão e instituições públicas responsáveis por gerir a execução das medidas socioeducativas, que incluí órgãos do Poder Judiciário. Envolve os governos estaduais, municipais e federa; Conselhos de Direitos, Centros de Atendimentos, Conselho Tutelar…

[2] Pellada, Andressa e Frossad, Marcele(2022). Adolescentes em medidas socioeducativas/Coordenação Nacional pelo Direito à Educação. 1º ed. – São Paulo: Expressão popular, 2022.

[3] Idem

(*) Debora Perin é Analista Advogada, empregada pública da FASE, especialista em Direito da Criança e Adolescente

Cristina Chazan é Analista Psicologa, empregada pública da FASE, especialista em Direito da Criança e Adolescente

Ramiro Passos é Analista Profissional de Educação Física da FASE, especialista em Direito da Criança e Adolescente

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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