Opinião
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17 de novembro de 2022
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08:38

8 bilhões de pessoas: a natureza da revolução demográfica mundial (por Milton Pomar)

Imagem: Pixabay
Imagem: Pixabay

Milton Pomar (*)

Oito bilhões de pessoas no mundo em 15/11/2022, estimados 10 bilhões em 2050 e 12 em 2100. Ainda que os números impressionem, não é a quantidade de gente o maior problema. A questão decisiva nesse século 21 é justamente o contrário: a população está diminuindo, e vai diminuir ainda mais. Esse fenômeno já está acontecendo, e vai se acelerar nos próximos 50 anos. Junto com ele, envelhecimento populacional mais rápido que o senso comum imagina. Resumindo, estamos em uma verdadeira revolução demográfica, decisiva para o futuro da espécie humana. 

Revolução porque a questão populacional decisiva nesse século é a redução acentuada das taxas de fertilidade e natalidade na maioria dos países (Brasil inclusive), e o consequente envelhecimento da população em proporções que ainda não foram devidamente assimiladas.

Revolução também porque a China, país historicamente campeão em quantidade de população, perderá essa condição em 2023 para a Índia, que passará então a ser o mais populoso e o com mais pobres e mais famintos do mundo (cerca de 400 milhões de pessoas) – isso apesar de 415 milhões de pessoas terem saído da pobreza multidimensional, entre 2005 e 2021.  

Com renda per capita (pela paridade do poder de compra) de US$6.675 (2021) a Índia está muito distante dos US$17.603 per capita da China, e essa diferença tão grande de poder aquisitivo explica porque há tanta fome entre a população indiana: com os mesmos 1,4 bilhão de habitantes, o país produz menos da metade da quantidade de alimentos que a China, que é a maior importadora mundial de alimentos, com compras que ultrapassam US$130 bilhões anuais – as indianas não chegam a 10% desse valor.  

Outra mudança significativa, que impactará centenas de milhões de pessoas hoje com menos de 50 anos de idade, é o aumento da expectativa média de vida, superior a 80 anos nos países desenvolvidos e aproximando-se desse patamar nos países em desenvolvimento. Ela obrigará à discussão sobre a idade para se aposentar e, até, a faixa de idade a partir da qual as pessoas deverão ser consideradas realmente “idosas”. 

Como a desigualdade mundial segue crescendo, e não diminuindo, as abissais diferenças de qualidade de vida de países com grande quantidade de “pobres” e “muito pobres” (ou “pobreza extrema” ou “miseráveis”) resultam em menores expectativas de vida e, paradoxalmente, em maiores taxas de fertilidade e de natalidade – e “boom” populacional esperado até 2050 é da Índia, Nigéria, Paquistão, República Democrática do Congo, Etiópia, Tanzânia, Indonésia e Egito. 

Dentro do “pacote” da revolução demográfica, já ocorreram migrações de 80 milhões de pessoas, desses países “pobres” e “muito pobres” para os países “ricos” – e novamente o paradoxo: esses países não querem esses migrantes, mas precisam deles, porque precisam de trabalhadores(as) – sua população está envelhecendo e diminuindo, e políticas públicas para estimular/subsidiar jovens casais a ter filhos e filhas, não surtem efeito na rapidez e dimensões necessárias. 

O que talvez melhor expresse a revolução demográfica do século 21 é o desinteresse dos casais jovens em descendentes, e a sua “transferência afetiva”, de uma filha ou filho, para um “PET” – e a impressionante expansão desse mercado em países como a China e o Brasil comprova quão efetiva é essa transferência e correspondente desinteresse pela reprodução da espécie humana.

Esse desinteresse em ter filha ou filho resulta da lógica da sociedade de consumo, do custo e da condição de vida nas cidades, da exacerbação do individualismo (o mundo “single”), e é também consequência da diminuição do tamanho das famílias nos últimos 30 anos. 

As projeções populacionais das Nações Unidas (ONU) são constantemente revisadas. Mantidas a fome e a pobreza de quase metade da população mundial, a devastação ambiental, o domínio político e econômico (e midiático) do sistema financeiro, e as condições insalubres das megafavelas e das periferias da Índia e de muitos outros países da Ásia e da África, mais Brasil, México etc., fica difícil continuar acreditando nos aumentos populacionais esperados pela ONU. 

Com tantos outros problemas que parecem maiores do que o envelhecimento populacional e a redução esperada de 215 milhões de habitantes para 180 milhões, é bem possível que o Brasil só se dê conta da revolução demográfica que está ocorrendo daqui a 13 anos, quando a população estabilizar e embicar para diminuir – parecido com o que ocorreu no Rio Grande do Sul, em outubro de 2019, quando a população idosa superou a de crianças e aí então as pessoas descobriram que o estado está efetivamente idoso e a sua população diminuindo.

Tendo chegado primeiro na China, Portugal e Espanha, essa revolução gerou reações positivas: em outubro de 2016, Portugal iniciou o programa interministerial “Coesão Territorial”, para reduzir os impactos do esvaziamento populacional nos interiores, e, dada a necessidade e as dimensões e custos do trabalho, logo ganhou ministério próprio. A China lançou o programa “Vitalização Rural” em 2018, para melhorar o padrão de vida nos interiores do país e assim assegurar que haja gente na área rural em quantidade suficiente para produzir comida, já que mais de 500 milhões de pessoas migraram para as cidades. E a Espanha, onde a situação de envelhecimento e esvaziamento populacional dos interiores do país é tão grave quanto em Portugal, está resolvendo essas questões com o Ministério da Transição Ecológica e do Desafio Demográfico.

Temos a possibilidade de escapar da “tempestade perfeita” (população menor e diminuindo, com grande parcela de pessoas idosas) se o governo federal e o Congresso começarem a agir a partir do início de 2023, porque políticas públicas demoram a surtir efeito nesses casos, e o ponto de não-retorno deverá ser a partir de 2035, quando mais de 40% do eleitorado brasileiro estará na condição de “pessoa idosa”. 

(*) Professor, Geógrafo, Mestre em Políticas Públicas

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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