Opinião
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4 de outubro de 2022
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08:37

Nem choro, nem vela (por Flávio Aguiar)

Comício de Lula em Florianópolis. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Comício de Lula em Florianópolis. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Flávio Aguiar (*)

Neste outubro
Não quero choro nem vela
Quero uma fita vermelha
Gravada c’o nome dele…

Paródia de um famoso samba de Noel Rosa

Há muita análise a fazer, e já tenho lido algumas. Umas desesperadas, outras desarvoradas, algumas mais ponderadas. As desesperadas começam apontando a coleção de trastes que aterrizou no Congresso Nacional e em alguns governos estaduais. Terminam dizendo que, mesmo que Lula vença o segundo turno, vai ser impossível governar e evitar um impeachment. As desarvoradas, no fundo, saem por um lado meio narciso, que pode ser resumido mais ou menos assim: “este país, este povo não nos merecem”. Algumas das mais ponderadas começam apontando a coleção de trastes que não conseguiu se eleger; outras apontam que apesar das pedreiras, pedradas e violência que já estão campeando, o caminho de Lula para a vitória é mais curto – pelo menos – do que o do Ku-Klux-Koyzo doravante designado KKK, para economia de toques. Ainda outras sublinham – e concordo – que a única maneira de garantir alguma governabilidade, em caso de vitória de Lula, é ampliar a Frente – dê-se o nome que se quiser, Política, Ampla, Amplíssima – que se esboçou neste primeiro turno.

Conclusão: há muito pano e ainda pouca manga no nosso colete analítico, e vai ser necessário aprofundar muita coisa. Mas antes de tudo é necessário eleger o Lula no segundo turno, além de reforçar o campo democrático em algumas eleições estaduais, como na Bahia, ou neutralizar os piores trastes, como é o caso de Onyx Lorenzoni no Rio Grande do Sul, em outras. Porque uma derrota de Lula no segundo turno vai implicar uma catástrofe inimaginável.

Alguma aritmética pode nos ajudar. Neste primeiro turno Lula teve uns 25 milhões de votos a mais do que Haddad no primeiro de 2018. O KKK teve 1,7 milhão a mais do que no primeiro turno de 2018, o que é pouco, e uns 17 milhões a menos do que no segundo turno de então, o que é muito. O número de votos brancos e nulos caiu pela metade, e a abstenção se manteve quase a mesma, um pouco mais de 20%. Porém no segundo turno de 2018 a número de votos brancos e nulos pulou para 11 milhões. A abstenção se manteve igual, o que, somando estes últimos algarismos, deu em 42,5 milhões de eleitores que não se manifestaram. Tenho para mim, intuitivamente, que um grande número destes era de eleitores que não poderiam votar no KKK, mas que deixaram de votar no Haddad; e isto é um dos problemas a evitar desta vez, além de se conquistar o que se puder de votantes de Ciro e Tebet, sobretudo, além de outros, neste segundo turno.

Para o KKK ganhar, não chega ele arrebanhar eleitores dos candidatos minoritários; ele precisa tirar votos de Lula, ou impedir que este ganhe os menos de 2% que lhe faltam para a vitória, ou ainda fazer com que o Lula perca votos, mesmo que estes não migrem para o traste maior.

Ou seja, é mais do que necessário arregaçar as mangas do nosso colete e ir… Bem, aqui faço uma ressalva. Cada vez que ouço ou leio o brado “vamos para as ruas”, meu coração de 68 dispara e levanta voo. Ao mesmo tempo meu cérebro o segura pelas orelhas e sussurra: “não esqueçamos de ocupar as avenidas digitais”. Esta é a nova urbe em que as direitas nadam de braçada e as esquerdas ainda nadam cachorrinho; onde aquelas atropelam com seus carrões endinheirados e estas se arrastam com carretas e patinetes, apesar de termos melhorado muito em relação ao passado.

Outra constatação intuitiva: as direitas cresceram muito na reta final deste primeiro turno porque incorporaram muito, e desde sempre, a perspectiva do voto útil, embora as decisões e torpedos finais possam ter sido disparados de sexta ou sábado para domingo. As esquerdas sempre tropicaram nisto, bastando lembrar para tanto o torcer de narizes que a escolha do vice de Lula provocou e ainda provoca em muita gente. E ficamos muitos amarrados na discussão interminável da medida da Frente para combater o fascismo montante (no mundo inteiro, diga-se de passagem), se ela se daria em metros, centímetros ou até milímetros.

E tenhamos uma certeza: vão nos agredir com tudo, com palavras torpes e torpedos e talvez até a bala ou a facadas e cacetadas. Mas na luta e no arrojo só temos a ganhar o nosso futuro, e honrar o nosso passado.

(*) Flávio Aguiar é jornalista, escritor e professor aposentado de literatura brasileira na USP.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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