Adeli Sell (*)
(Revisita ao livro e à história de um revolucionário, morto pela ditadura)
Saiu recentemente uma nova edição dos poemas, manifestos e correspondência de um poeta-guerrilheiro, Luiz Eurico Tejera Lisboa, jovem revolucionário assassinado pela ditadura numa pensão em São Paulo em 1972, cujo corpo foi localizado no Cemitério de Perus em São Paulo com o nome falso de Nelson Bueno, graças à incansável busca da viúva Suzana Lisboa.
Catarinense, mas criado numa família de seis irmãos em Caxias, ICO como era chamado, era irmão do cantor e compositor Nei Lisboa.
O livro é uma dádiva; é minha firme indicação como resgate da Memória contra o Esquecimento. Mais decidida ainda a indicação para as novas gerações torpedeadas pela mentira, com ataques do Bolsonarismo e do Trumpismo, vertentes do renascido fascismo.
Enquanto vemos a Maldade do Mal assomando a cada esquiva, ler e saber do Espírito Libertador de Luiz Eurico Tejera Lisboa, da Suzana e de outros que foram torturados e assassinados pela ditadura militar no Brasil é um alento, pois a História recupera tudo, menos a morte, lembrando Sartre, citado por Pilla Vares.
O livro foi organizado pelo jornalista, professor e político Antônio Hohlfeldt que analisa com profundidade e discernimento os escritos e em especial seus poemas.
É bom sinalizar que os escritos datam de seus 16 anos a 24 anos, quando foi morto.
Ou seja, tanto sua poesia, suas cartas e o Manifesto que escreveu para o Congresso da UGES são de um jovem muito jovem.
ICO exalava paixão. Paixão pela liberdade, justiça e democracia e expressa seu amor infinito pela namorada/esposa Suzana.
Nas orelhas do livro Nei Lisboa lembra o irmão mais velho, da candura e paciência de lhe ensinar fazer e empinar pandorga. O relato é pura emoção.
Pilla Vares, já falecido, resgata o ICO numa Apresentação (1999) no contexto do momento histórico.
Noeli, irmã de ICO, traz um pouco do guri tímido e desajeitado. Fala de um episódio que foi uma faísca para sua luta pela igualdade.
A mãe Clelia num texto de uma coragem ímpar dias após a localização de seu corpo escreve que não sente pena do filho. Fala do orgulho da luta e bravura do seu amado filho perdido tão precocemente.
De seus colegas de Julinho, Cláudio Gutierrez traz à tona a formação do líder estudantil e político sendo ambos parceiros de ideais; já o falecido escritor João Gilberto Noll fala do colega quieto que sentava a seu lado, fazendo surgir do silêncio os passos que dava dia a dia.
Antônio Hohlfeldt, outro colega seu, organiza o livro, pois foi tocado pela capa da revista IstoÉ quando relatava o achado do corpo do seu colega de Julinho.
Escreve corajosamente um relato no tradicional Correio do Povo com o aval do dono, Breno Caldas.
Antônio Hohlfeldt organiza os poemas em três partes e faz uma cuidadosa análise dos textos mostrando o valor da escrita, do pensamento e dos ideais do autor.
Os poemas de ICO sejam as linhas de amor sem fim para a Suzana, dum lirismo tocante, aos de brados pela Revolução tem uma cadência pela repetição de palavras e frases.
Utiliza à exaustão o verbo “haver”. Sempre “Há” algo a marcar.
E, finalmente, o relato-documento de Suzana Lisboa.
É imperioso ler.
Nós que a conhecemos e a acompanhamos desde os tempos do Comitê Brasileiro pela Anistia à Comissão da Verdade sabemos o quanto a democracia brasileira deve a esta mulher.
Eu insisto que aqueles que me lerem vão ao livro, pois aqui mal pude traçar pálida ideia do que é o livro e o que foi a História deste casal: Eurico e Suzana.
(*) Escritor, professor e bacharel em Direito
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