Opinião
|
10 de setembro de 2022
|
19:14

Bolsonaro e a questão da corrupção (por Milton Pomar)

Jair Bolsonaro discursa durante ato no RS. Foto: Reprodução Facebook
Jair Bolsonaro discursa durante ato no RS. Foto: Reprodução Facebook

Milton Pomar (*)

Se Corrupção fosse realmente um grande problema para governos e empresas no mundo inteiro, não existiriam os “Paraísos Fiscais”. Se o governo federal quisesse realmente combater a corrupção, teria investigado até o fim as pessoas e empresas do Brasil envolvidas no “Panamá Papers”, o escândalo recente envolvendo “Paraísos Fiscais”. O maior deles (o “caso Banestado”, só nomes ilustres), não deu em nada – foi arquivado pelo juiz federal comandante da Lava-Jato, hoje candidato ao Senado pelo Paraná. 

O maior caso de corrupção no Brasil totalizou 7,6 trilhões de reais, de 2016 a 2021 – média de 1,26 trilhão de reais por ano. Incluindo 2022, o total dos sete anos deverá chegar a 9,6 trilhões de reais. Apesar das seguidas denúncias, essa corrupção “de gente grande” resiste até hoje a uma auditoria. É o maior escândalo do País, mas segue impune – em 2022, a exemplo de 2021, o pagamento dos juros e de parte da dívida pública federal ficará com metade dos recursos do Orçamento Geral da União (OGU). A outra metade tem que dar conta de todas as despesas do governo federal para atender 215 milhões de pessoas, da Previdência à Educação, Saúde, Pessoal etc., etc. (https://auditoriacidada.org.br/) Metade dos badalados “elevados impostos” vão para bancos e rentistas – menos de 100 mil pessoas no Brasil.

Outra ação governamental que transfere muito dinheiro público para mãos privadas legalmente é a desvalorização cambial. Quantas maxidesvalorizações da moeda brasileira em relação ao dólar fizeram fortunas? Mudanças desfavoráveis à moeda nacional beneficiam quem tem dólar no estrangeiro, mas… se os milhões lá fora tiverem sido declarados, não há mal algum. 

Dessas grandes corrupções a Mídia e a maioria do Congresso Nacional não tratam, tão pouco o ministro da Economia, ele próprio originário do sistema financeiro. Debate-se as corrupções do Orçamento Secreto e das emendas parlamentares, também escandalosas, enquanto o “iceberg” da Dívida Pública federal, dos estados e grandes cidades avança destroçando orçamentos. Sem auditoria, e cada vez mais acabando os recursos para atender a população – no caso do governo federal, saltou de 753 bilhões de reais em 2012, para um trilhão em 2017, quase dois trilhões em 2021 (51% do OGU), e, talvez, o mesmo em 2022. De quantos trilhões de reais é o total das dívidas dos estados e grandes cidades? Quantas foram negociadas, renegociadas, e ainda aumentaram de tamanho, a exemplo da do Rio Grande do Sul – segunda pior situação do Brasil?

Esses trilhões de reais de recursos públicos apropriados pelo sistema financeiro explica parte dos imensos lucros dos bancos e rentistas, com crise e sem ela, e apesar do recorde esse ano de 67 milhões de inadimplentes, em 79% dos lares do Brasil. Com tanta gente devendo para cartões de créditos e bancos, estes teriam quebrado, não é mesmo? – Mas não, eles continuam lucrando e crescendo muito, graças aos trilhões de recursos públicos e aos juros pornográficos (que reduzem a condição de vida da população e tornam muitas pessoas “Escravas por Dívidas”). A situação é tão grave, que criaram lei específica para os superendividados (nº 14.181, de 2 de julho de 2021). 

O sistema financeiro no Brasil é predatório também da Economia, reduzindo a competitividade internacional da indústria, segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), realizado desde 2010: “O Brasil é o país com o pior desempenho no ranking do fator Financiamento entre os 18 países avaliados. (…) em duas das três questões avaliadas – disponibilidade de capital e desempenho do sistema financeiro –, o custo do capital no Brasil é muito superior ao custo nos demais países. Em 2018, o Brasil apresentou a mais alta taxa de juros real de curto prazo (8,8%) e o maior spread da taxa de juros (32,2%).”

A base do corrupto sistema político brasileiro é a compra e venda de votos, algo tão corriqueiro nas campanhas eleitorais que essa prática nem é considerada corrupção pelo povo (apesar da Lei nº 9.840, de 28/09/1999, ser específica sobre esse crime). Bem mais da metade dos atuais vereadores e vereadoras estão exercendo suas atividades nas 5.570 câmaras municipais graças à compra de votos. Eleitos(as), a maioria vende seus votos para prefeitos e empresários, por interesses diversos, para “recuperar o investimento realizado”. Muitos nomeiam o máximo possível de pessoas e se apropriam de diárias. Alguns casos mais escandalosos resultam em ações policiais e inquéritos que resultam depois em longas esperas por julgamento, tanto tempo que as penas possíveis até prescrevem.  

Essas práticas municipais, comuns nos legislativos estaduais e federal, são agravadas pelas emendas parlamentares; a apropriação dos salários de funcionários públicos integrantes de mandatos – crime adocicado pela mídia com o termo “rachadinha” –; e, no governo Bolsonaro, o surreal Orçamento secreto (quantos bilhões? – ninguém sabe ao certo), ao qual se somou em julho a desfaçatez total e absoluta da “PEC do Estado de Emergência”, que colocou o País em falso “Estado de Emergência” e destinou 41 bilhões de reais a centenas de milhares de pessoas, através de “ajudas” diversas durante o período eleitoral. 

Graças às tragédias coincidentes da pandemia e da destruição do Pantanal e da Amazônia – com incêndios em milhões de hectares, carbonizando florestas e a fauna –, pouca gente se deu conta das ações de Bolsonaro para limitar e desarticular o trabalho do Ministério da Saúde, Polícia Federal, COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, transferido por ele da Justiça para o Ministério da Economia, e depois para o Banco Central), e Ministério do Meio Ambiente. Somente um estado de cinismo generalizado de grande parte da população brasileira explica a aceitação passiva de tudo isso junto e misturado, ao qual se somou há alguns dias a “cereja do bolo”: a compra de 51 imóveis por integrantes da família Bolsonaro, 25,6 milhões de reais no total em valores atualizados, todos eles pagos em “dinheiro vivo”, com valores abaixo dos de mercado, caracterizando para especialistas a prática de “lavagem de dinheiro”. 

(*) Geógrafo, mestre em Políticas Públicas.

***

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora