Opinião
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26 de setembro de 2022
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08:14

A velha história no SBT (por Luiz Marques)

Reprodução SBT/TV
Reprodução SBT/TV

Luiz Marques (*)

Se aproxima o dia 2 de outubro, que decidirá o destino público do país. As consequências da escolha política serão sentidas por todas e todos e todes. Parcela numerosa da classe média (média e alta) votará no desgoverno em curso, que não valorizou a criação de empregos, os salários e a distribuição de renda. Nada de positivo contabilizou na saúde e na educação, enquanto na segurança legalizou o arsenal de armas de organizações criminosas. As lorotas vocalizadas com cara de pau na propaganda eleitoral não conseguem ocultar o mandato premeditado para a destruição e o caos.

O indicador de voto dos segmentos intermediários retrata (consciente ou não) a herança de 350 anos de escravidão, cuja Abolição: (a) não contemplou indenizações pecuniárias por séculos de trabalhos forçados; (b) não efetuou uma reforma agrária para dar a propriedade de terras aos ex-escravizados, confinados nas lides da agricultura e da pecuária ou do extrativismo e; (c) não promoveu ações para preparar os libertos de modo a se integrarem nos processos de industrialização e urbanização, que se desenvolviam. A fim de “branquear” a nação, privilegiou-se a mão de obra dos brancos despejados da Europa. A opção das classes médias pela direita, hoje, reafirma a velha história de exclusão social desse país continental. Não espanta que 70% dos mais ricos apoiem os cortes orçamentários na ciência e nas universidades (Unifesp, 2022). Haja presente para tanto passado obscurantista.

É motivo de orgulho para os verdadeiros democratas, na dimensão da política e na dimensão étnico-social, votar no espectro da esquerda. São os “anjos tortos” do verso de Carlos Drummond de Andrade que se batem para interromper a perpetuação da marginalidade do povo que, apesar de produzir as riquezas, não usufrui as benesses do progresso. Os trabalhadores não tinham casas para morar, embora construíssem a de bacanas. Para que rememorassem a lição de retaliação do período colonial-escravista, viram condenado à prisão mesmo sem provas o presidente que implementou o Minha Casa, Minha Vida, voltado para o precariado de vencimentos ralos e existência sofrida. 

Como as demais políticas igualitaristas, iniciadas no governo Lula da Silva, aquela foi devastada e os recursos disponíveis na Caixa Econômica Federal (CEF) reendereçados para a construção de condomínios de luxo. O vice golpista Michel Temer, seguido pelo “capitão do mato” Jair Bolsonaro de braços com o medíocre ministro da Economia Paulo Guedes, trouxeram de volta a pobreza e a miséria, com a reforma trabalhista e previdenciária e as privatizações do patrimônio público estratégico, recolocando o país no mapa da fome, da ONU. Em troca, veio à tona um nacionalismo carnavalizado pelo verde-amarelo característico do entreguismo na Petrobrás, no Pré-Sal, etc. 

Para Jessé Souza, as acusações de corrupção, outrora dirigidas a Getúlio Vargas e também a Juscelino Kubitschek, acusado de possuir um apartamento em zona nobre do Rio de Janeiro, fruto de propina, foram estendidas ao ex-presidente com extração no movimento sindical do ABC paulista. Todas as acusações mostraram-se falsas. Tratou-se de um estratagema. Como não caía bem se contrapor de forma aberta às políticas que combatem desigualdades sociais, uma bandeira universal, procurou-se desqualificar e castigar os mentores do igualitarismo com outra bandeira universal, o combate à corrupção. A serviço dos poderosos, a mídia venal e partidarizada reverberou a enxurrada de denúncias vazias para justificar as vilanias, lançadas às administrações que visavam retirar as pedras do escravismo do caminho para a modernidade, – em cada esquina do pós-1950.

O autoritarismo da sociedade brasileira, para se legitimar, precisa bloquear a eclosão dos conflitos. A exposição das contradições encarnadas nas iniquidades, por si, nega a imagem de um paraíso indiviso (“meu partido é o Brasil”). A identidade nacional, ao enaltecer o caráter pacífico e ordeiro do povo, naturaliza o verticalismo nas relações sociais, assim como o racismo e o sexismo. A ideia do “homem cordial”, de Sérgio Buarque de Holanda, torna inócuas as normas legais para as camadas privilegiadas e coroa o status quo pela via dos laços clientelistas e de parentesco, ranços antidemocráticos e antirrepublicanos ainda vigentes. Esse é o desenho de país das ditas “elites”.

Como na fábula de George Orwell, A Revolução dos Bichos, “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”. Uma afronta à regra da impessoalidade que orienta o ideal de uma República, que mereça tal conceituação. A tolerância do bolsonarismo com os malfeitos de seu mítico “animal” tem raízes culturais. A bandeira contra a corrupção deve ser guardada no armário, e desfraldada nas ocasiões em que as forças populares alcançam o Executivo Federal. 

O teatro da política no SBT

O cenário eleitoral mostra uma aparente e fajuta fragmentação político-ideológica. Cabe recapitular o debate realizado no pool de emissoras, encabeçado pelo SBT, para verificar de que maneira o sistema de exclusão se reproduz com roupagens adaptadas à atualidade, para enganar os eleitores. A hegemonia da “casa grande” busca se reproduzir no tempo, conforme o aristocrático conselho que se lê em Lampedusa: “para que tudo mude e continue no mesmo lugar”. Vejamos como acontece.

Lula (PT) não compareceu. No teatro montado, se disse que temeu apresentar sua proposta de governança. Ora, o PT foi o único partido que permitiu a dezenas de milhares de pessoas, sem filiação partidária, incidir na peça programática com sugestões de temas e proposições concretas. Muitas foram acolhidas, pela equipe de coordenação. Em 2018, a emissora não se referiu à ausência da candidatura apontada como favorita no pleito, impedida de participar por um conluio jurídico-midiático-militar dos “donos do poder”. A operação farsesca, agora, é do conhecimento geral.

O Padre Kelmon (PTB) compareceu montado na cruzada contra o aborto, posta no centro da política. Para o obscurantista, é uma “questão filosófica”, não um grave problema de saúde pública. O Estado seria o gendarme de controle da vida privada das mulheres, para obrigá-las a aceitar uma gravidez indesejada ou resultante de estupro. A distopia que arguiu é autoritária e totalitária. No debate, revelou a vassalagem das religiões com fiéis usados para massa de manobra de tiranos.

Felipe D’Ávila (Novo) e Soraya Thronicke (União Brasil) competiram pelo papel de principal ator do neoliberalismo, ao difamar funções do Estado e fantasiar virtudes do livre mercado. Pregaram mais Estado na economia (para as desregulamentações) e menos na política (sem intervir na marcha que conduz a monopólios ou oligopólios). Vestem o figurino de CEO de corporações empresariais. Não priorizam a população ou a soberania nacional na globalização, mas o alinhamento aos Estados Unidos. O Novo propõe-se regredir à lógica censitária, onde apenas as pessoas de posses financeiras se candidatam a cargos públicos. Os pobres ficam à margem, no máximo votam. Desejam o retorno dos critérios excludentes da representação política, tirados de cartaz pela democracia moderna.

Simone Tebet (MDB) foi a porta-voz da negacionista e hipócrita “ponte para o futuro”, outro atalho para a regressão do país à condição colonizada de entreposto comercial das potências estrangeiras, abanada pelo vira-lata decorativo beneficiado no impeachment. Questionada sobre o conteúdo de “seu” feminismo, frisou ser católica e contrária ao aborto, curto e grosso. Não lhe ocorreram as palavras mágicas, na memória de qualquer feminista autêntica: “meu corpo, minhas regras”. Parece distinguir entre o “inimigo” e o “adversário”, no embate político travado em um momento crucial. 

Ciro Gomes (PDT), flagrado com cochichos acintosos para troca de recados sigilosos com o inominável durante a emissão, é um político tradicional à procura de um destino. Achou-o como escadinha para o neofascismo galgar um perigoso segundo turno, que só traria vantagens para quem deseja conturbar as eleições e substituir o Estado de Direito democrático por um regime iliberal militarizado. O cirismo assassina o brizolismo. Cita o Ceará, e nenhuma realização em Ministérios que ocupou na carreira. Alardeia um receituário ao estilo de um coronel mandonista. Jamais invoca a participação da cidadania, dos movimentos sociais e dos partidos progressistas para reconstruir as bases de um projeto democrático e republicano, com respeito à pluralidade e à (bio)diversidade. 

Bolsonaro (PL), este, para variar teceu mentiras. Não pode se vangloriar das ruínas que provocou. 

As classes dominantes têm vários partidos políticos que vão, da direita neoliberal à extrema direita neofascista, passando pelo trânsfuga que abandonou os valores do humanismo e do trabalhismo. Que o muro que separa a nação de um Estado de Bem-Estar Social, do povo pelo povo, seja derrubado no próximo domingo, com o ardor da indignação e a coragem da generosidade. Vale, aqui, lembrar o poeta Thiago de Mello: “Cantando juntos, ergamos / a arma do amor em ação”.  

(*) Docente de Ciência Política na UFRGS, ex-Secretário de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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