Opinião
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13 de julho de 2022
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17:17

Políticas de desenvolvimento econômico e capacidades estatais no RS (por Carlos Henrique Horn)

Carlos Henrique Horn (Divulgação)
Carlos Henrique Horn (Divulgação)

Carlos Henrique Horn (*)

Este artigo reproduz a apresentação do autor no Seminário sobre Desenvolvimento Regional do Rio Grande do Sul, realizado pela Rede Estação Democracia (RED), cujo tema é “Desigualdades regionais e planejamento federativo: da experiência acumulada às novas perspectivas”. A exposição aconteceu no dia 04 de julho.

Desenvolvimento econômico

O tema geral deste Seminário nos convida a falar sobre o desenvolvimento econômico. Antes de quaisquer qualificações, antes de se examinarem suas condições de realização e consequências, é preciso definir: desenvolvimento econômico é um processo de mudança estrutural. Neste processo, cresce a produção, diversificam as atividades, aumenta a renda de uma região, e seus moradores melhoram as condições de vida material. Em especial, desenvolvimento é um processo de erradicação da pobreza. Se uma região registra crescimento do produto e, ao mesmo tempo, maior incidência de pobreza dentre seus habitantes, pode-se falar de qualquer coisa – mero crescimento econômico, ampliação das oportunidades de negócios etc. –, menos de desenvolvimento.

Este, então, deve ser nosso ponto de partida quando examinamos as diversas dimensões do desenvolvimento econômico e suas questões de interesse: desenvolver uma região significa aumentar a renda primária e melhorar as condições de vida de todos. Adicionalmente, pode-se destacar a importância de promover uma distribuição equitativa do aumento da renda e, com um olhar voltado para temas candentes do presente e do futuro, assegurar que o desenvolvimento seja ambientalmente sustentável.

O tema do desenvolvimento regional contempla inúmeras questões: sua história econômica, os determinantes de sua dinâmica – mais progressiva ou mais atrasada –, sua inserção no cenário abrangente da economia estadual, nacional e internacional, e assim por diante. Uma das questões, que compete a esta mesa explorar, é a das politicas de enfrentamento. Ou seja, das políticas públicas de desenvolvimento regional. Faço, neste sentido, apenas duas observações gerais, tendo como ponto de referência as políticas de desenvolvimento econômico do governo gaúcho. Não apenas de um governo em particular, mas do governo gaúcho em geral.

Políticas de desenvolvimento econômico do governo gaúcho

  A experiência do estado do Rio Grande do Sul na formulação, execução e avaliação de políticas de desenvolvimento econômico, nas últimas décadas, pode ser qualificada, na melhor das hipóteses, como sendo mista. Há uma dimensão prévia nesse exame, a qual envolve a própria existência – ou inexistência – de algo que pode ser qualificado como política pública de desenvolvimento. Digo isto porque, em não poucas vezes, governos gaúchos equipararam políticas de desenvolvimento à mera redução da despesa pública – de modo mais amplo, à contração da atividade estatal direta e indireta orientada a incentivar a produção e a geração de renda. Esperavam, imagino, que as forças da natureza ajudassem o Rio Grande a recuperar seu rumo. Do ponto de vista de quem associa desenvolvimento econômico à necessidade de políticas públicas de desenvolvimento – vale dizer, ao exercício de uma função estatal e não à sua negação –, o pêndulo político que nos faz ora realizar, ora não realizar políticas gerais de desenvolvimento econômico, é um dos principais entraves ao processo.

Pergunto àqueles que nos acompanham neste Seminário: quem é capaz de descrever as políticas de desenvolvimento econômico de cada um dos últimos nove governos estaduais, de Pedro Simon a Eduardo Leite? Qual a visão de futuro da economia estadual oferecida por cada política governamental específica? Quais seus vetores, seus programas, suas ações? Quais os instrumentos mobilizados para o atingimento de objetivos claramente formulados e anunciados? Onde estão os documentos que registram a substância de cada política? Qual a avaliação de seu legado?

Estas perguntas parecem pertinentes aos interessados no desenvolvimento econômico do estado. Uma tentativa de respondê-las se depararia, muito certamente, com o problema antes anunciado: nem sempre houve política de desenvolvimento econômico digna de nome. Não fazer foi uma opção em alguns casos, na esperança de que este não fazer – ou seja, não haver formulação e ação de governo – produzisse o desenvolvimento econômico nas várias regiões do Rio Grande.

Capacidades estatais

Mas a coisa toda se afigura ainda mais complexa. Quaisquer políticas de desenvolvimento robustas requerem informação, análise, criação, avaliação, revisão, algum grau de continuidade. Requerem, portanto, capacidades estatais de fazer. Essas capacidades não existem em abstrato ou como mera remissão retórica em discursos sobre geração de emprego e renda. Onde existem, estão incorporadas, primeiramente, em profissionais de formação adequada e com experiência, na memória de instituições públicas voltadas para as várias dimensões do desenvolvimento econômico. Podem aparecer também em instituições não diretamente ligadas ao governo estadual, como universidades, faculdades e institutos de ensino e pesquisa, sistemas de apoio a pequenas e médias empresas, departamentos econômicos de instituições de representação de interesses etc. Todas elas disponíveis à mobilização para fins do objetivo do desenvolvimento.

Quanto a este ponto, o das capacidades estatais, o inventário gaúcho recente é bastante desfavorável. Na década passada, para espanto geral, decidiu-se extinguir o melhor instituto de pesquisa demográfica, econômica e social existente em nível dos estados da federação brasileira. Falo da Fundação de Economia e Estatística – FEE. O contrato de prestação de serviços celebrado com uma instituição paulista em substituição à atividade da FEE serve, nos cursos de economia e políticas públicas, como exemplo de um erro crasso. Sem falar que a produção da contratada se incorporou ao anedotário dos economistas. Portanto, assinalo: houve uma opção por eliminar uma fonte qualificada de geração de informação estatística e conhecimento, cuja existência poderia ser de enorme valia no ciclo das políticas públicas de desenvolvimento econômico.

Mas o inventário não exaure na supressão da FEE. Em princípios da década passada, o governo estadual, com aprovação da Assembleia Legislativa, criou a Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento – AGDI. Três anos depois, esta instituição diretamente devotada à formulação, implementação e acompanhamento de programas e projetos de desenvolvimento econômico contava com um seleto corpo de profissionais de nível superior. Eram jovens formados em nossas melhores escolas e altamente qualificados, com o entusiasmo próprio da idade. Uma promessa de futuro para o Rio Grande. No entanto, o mesmo processo decisório que extinguiu a FEE levou também ao desaparecimento da AGDI.

Podemos ampliar este rol de exemplos de contração recente das capacidades estatais para o desenvolvimento econômico decorrente de escolha política local. De certo modo, o estado antecipou o que viria a acontecer no governo federal em sequência. O resultado inquestionável foi o empobrecimento de nossa inteligência para o desenvolvimento econômico.

Concluo esta breve exposição com uma síntese de sua substância, mesmo correndo o risco de ser acaciano. Primeiro: não haverá desenvolvimento econômico do Rio Grande do Sul, em geral, e de cada uma de suas regiões, em particular, sem que se formulem e executem políticas públicas robustas. Esta é uma condição necessária, ainda que não suficiente. Segundo: não haverá política pública de desenvolvimento econômico sem mobilização de capacidades estatais. Consequentemente, a recuperação institucional dessas capacidades no âmbito do setor público gaúcho deve ser um dos primeiros passos em um caminho que renove nossa esperança no futuro. 

(*) Professor da Faculdade de Ciências Econômicas/UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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