Opinião
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17 de julho de 2022
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13:53

Golpe ou democracia? (por Juca Ferreira)

Jair Bolsonaro. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Jair Bolsonaro. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Juca Ferreira (*)

Estamos a menos de cem dias das eleições e as pesquisas eleitorais estão invariavelmente a indicar a tendência de vitória do ex-presidente Lula. Em se confirmando, significa o fracasso do golpe do impeachment e que a retomada do caminho democrático no Brasil está no horizonte do possível.

O país vive uma crise política, social e econômica profunda e a extrema direita está tentando desestabilizar o processo político e inviabilizar a consulta popular. O golpismo é uma doença crônica do país e a sociedade brasileira ainda não está devidamente vacinada.

A disputa eleitoral vem acontecendo entremeada de ameaças de golpe, com a arregimentação antidemocrática para que as regras do jogo não sejam respeitadas.

Ameaças do próprio presidente, questionando as eleições e as urnas eletrônicas, deixando no ar a possibilidade de não aceitar o resultado, caso esse resultado confirme o favoritismo de Lula. Generais querendo tutelar o país e chantageando, ameaçando entornar o caldo mais uma vez. Ataques com drones e bombas caseiras contra manifestações e comícios pró-Lula e o brutal assassinato de um militante do PT quando comemorava seus 50 anos, cometido por um bolsonarista fanático.

Essa eleição não será uma simples eleição, ela será muito importante para o futuro do Brasil porque carrega em si a possibilidade de mudanças importantes no rumo do país, para o bem ou para o mal, a depender do resultado.

Bolsonaro não está morto politicamente, mas não tem as condições políticas para impor ao país seus delírios autoritários.

Bolsonaro é um instrumento circunstancial das elites brasileiras e conta com a empatia e o apoio fiel de mais ou menos 20% da sociedade.

Bolsonaro é insignificante pessoalmente, um zero à esquerda, o que tem levado muita gente a subestimá-lo. Não é a primeira vez na história que figuras medíocres, despossuídas de maiores qualidades, são levadas pelas circunstancias a cumprir um papel político relevante.

Subestimá-lo implica em não considerar que ele foi empoderado eleitoralmente e que possui algum apoio popular, além de ser articulado com a extrema direita global.

Bolsonaro tem sido útil para as elites, apesar do desastre e da destruição que ele capitaneia e o sofrimento que vem provocando em boa parte do povo brasileiro.

Bolsonaro e seu governo tem tido o apoio do capital financeiro, do capital agrário e de outros setores das nossas elites e, paradoxalmente, de parte das camadas médias, que também são vítimas desse projeto insano.

Esse projeto que está destruindo o país conseguiu mobilizar uma base de sustentação na sociedade que vem protagonizando horrores e baixezas, degradando ainda mais a convivência, e o que resta da nossa combalida democracia.

Politicamente, são como o lodo, sedimentos do fundo do rio, que uma vez agitados, turvam as águas. E a identidade com o projeto neoliberal/autoritário está presente, com maior ou menor intensidade, em todos os setores e segmentos sociais, inclusive nas camadas mais pobres da população, apesar de estarem entre as maiores vítimas.

Essa base política de Bolsonaro e do seu governo é antidemocrática e tende ao fascismo. Veem a desigualdade social, a violência, o racismo, a misoginia como naturais. Apoiam a corrosão dos direitos sociais e são avessos aos valores sociais. Destilam ódio, ressentimento e frustração.

Sempre existiram, como expressão dos limites históricos do país e encarnam a resiliência das taras originárias da sociedade colonial e escravista, amalgamadas e mescladas com a face mais perversa do nosso capitalismo dependente e periférico.

A novidade é a desenvoltura e o desembaraço com que estão se movendo. Praticam crimes, são reacionários e conservadores e apoiam a destruição de tudo de bom que foi construído pelo povo brasileiro, defendem a vilania sem nenhum pudor e são orgulhosos da ignorância, da grosseria e da violência irracional.

Bolsonaro e o que ele representa também tem apoio entre militares, evangélicos, católicos messiânicos, policiais e conta com a simpatia da escumalha social que faz e vive o mundo do crime das milícias, do garimpo ilegal que contamina nossos rios e cobiçam as terras indígenas, dos madeireiros predadores das nossas florestas.

Este projeto neoliberal tosco e predatório que ele capitaneia está falido, ruindo de cima à baixo.

Quebrou a economia, vem enfraquecendo o Estado nacional, debilitado nossa soberania e tem isolado o Brasil no cenário internacional. É um projeto usurário, concentrador de renda, indiferente ao sofrimento do povo brasileiro e vem agravando a crise social, a miséria e o desemprego.

Ampliou a miséria e empurrou muita gente, famílias inteiras, para morarem nas ruas. Trouxe de volta a fome e a insegurança alimentar que já atinge mais da metade da população.

Estão acirrando a violência social, legalizando a venda indiscriminada de armas e armando as milícias, mobilizando as FFAA para o projeto golpista e tentando minar todas as resistências institucionais ao projeto golpista.

Esse projeto político não se adequa às normas e procedimentos democráticos e não consegue mais articular nenhuma ilusão de felicidade futura para o povo brasileiro. E não é compatível com os padrões e normas da democracia. Precisam do arbítrio, da violência e do autoritarismo.

O consentimento social para a barbárie e para o retrocesso no seio do povo brasileiro está se esvaindo.

A experiência no mundo inteiro com projetos políticos de corte neoliberal autoritário tem sido a mesma: beco sem saída, prenúncio de agravamento da crise do capitalismo e pura tragédia para as sociedades onde eles chegam ao poder.

Claro que a sociedade brasileira corre perigo. Tem razão os que estão dizendo que a beira do abismo político ficou muito perto.

Com a tradição golpista que temos no Brasil, não restam dúvidas de que nos bolsões antidemocráticos devem estar pensando em aplicar um golpe, para tentar driblar o resultado das eleições e dar sobrevida a esse processo que interrompeu a construção da democracia no Brasil.

Eleitoralmente, mesmo com muita fake news, trapaças e truques, eles caminham para serem derrotados.

Nestas circunstâncias atuais, o golpe pode ser tentado, pode até ser dado, mas tende ao fracasso.

A luta titânica de Lula e de grande parcela da cidadania para constituir uma frente em torno da democracia é fundamental para isolar o projeto golpista. E Lula vem acertando nesta tarefa hercúlea de estadista.

É preciso ampliar, aprofundar e fortalecer o projeto democrático, travar a luta política institucional e principalmente, avançar no seio do povo.

Avançar na disputa eleitoral e ao mesmo tempo, restituir o protagonismo da cidadania, dos movimentos sociais, dos intelectuais, dos artistas, dos estudantes, das mulheres, da juventude.

Caberá às organizações sociais e aos partidos democráticos mobilizarem os trabalhadores, organizar a cidadania, construir alianças sociais sólidas capazes de fazer frente à ameaça da barbárie.

Essas energias cáusticas estão presentes no mundo inteiro. São uma ameaça global à democracia e à qualquer projeto de futuro. Mas o Brasil é bem maior e o povo brasileiro haverá de vencer!

(*) Juca Ferreira é sociólogo e ex-ministro da Cultura.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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