Opinião
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24 de maio de 2022
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12:58

Marcadas na pele e na alma (por Ane Cruz)

Uma em cada 4 mulheres, acima de 16 anos disseram ter sofrido algum tipo de violência de junho de 2020 a junho de 2021.
(Foto: Joana Berwanger/Sul21)
Uma em cada 4 mulheres, acima de 16 anos disseram ter sofrido algum tipo de violência de junho de 2020 a junho de 2021. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

Ane Cruz (*)

No dia 22 de maio de 2022 foi registrado um boletim de ocorrência onde uma jovem de Taubaté/SP teve o rosto tatuado com o nome do ex-namorado. Ela relatou ter sido sequestrada e mantida em cárcere privado, pois o mesmo não aceitou o fim do relacionamento. Ela disse “quando eu olhei, não era mais eu, não sou eu com isso aqui. Para mim, ele me matou por dentro, acabou comigo”.

Infelizmente este caso não é isolado, outras mulheres também já foram vitimadas por esta prática que até em gados já esta sendo banida.

A prática de marcar e assinalar os rebanhos bovinos na Região Platina, por exemplo, acontece desde o século XVI, acompanhando a introdução do gado na América. O único objetivo desta prática é atribuir a posse do gado ao proprietário da marca que aquele traz no couro (Kosby, Marília Floôr).

Em 2014 uma estudante de Linhares/ES disse que as agressões do namorado começaram após uma briga motivada por um piercing que ela colocou no nariz. “Ele não queria que eu colocasse. Então ele já chegou me batendo, me agredindo. Falou que ia me marcar igual se marca um animal”.

Em 2011 no Rio de Janeiro/RJ depois de um ano separada, outra mulher foi marcada e torturada por seu ex-companheiro ela disse: “Pensei que ia morrer. Fui marcada como um gado e tratada como um animal. Ele falou que eu ia ficar bem feia para não ficar com mais ninguém na minha vida”.

Estes são alguns exemplos de práticas bárbaras cometidas por homens que não aceitaram o término do relacionamento. O que explica essa prática? O que se justifica com esta prática? 

Poderíamos afirmar inúmeras coisas. Mas só uma responde: Machismo.

O machismo no século 21 consegue se superar às práticas do século XVI, porque a humanidade poderia ter evoluído. Mas o que vivemos atualmente é a barbárie em que as mulheres estão sendo submetidas de forma covarde e perversa.

A humanidade poderia ter evoluído quanto às relações de gênero ao passo que evoluímos em tudo, porém o que se percebe é que o machismo continua fazendo vítimas de todas as formas. Uma sociedade que autoriza, legitima, naturaliza e banaliza a violência contra as mulheres é uma sociedade que retrocede, pois “Quem mata uma mulher, mata a humanidade” já alerta a Campanha Nacional do Levante Feminista contra os Feminicídios no Brasil.

Assim como se marca o gado, que é propriedade de alguém, as mulheres também são marcadas por alguém que pensa ser seu dono, proprietário. Essa prática assim como toda violência contra as mulheres deve ser banida. Seja à ferro ou por tatuagem, não é só uma marca na pele, é uma marca que deixa a ferida para sempre, no emocional, no psicológico e na alma destas mulheres.

O Estado deve se responsabilizar pela segurança das mulheres investindo em políticas públicas e serviços que possam atender e acolhe as vítimas assim como enfrentar e combater todas as formas de violência. 

Não podemos conviver com os dados que dão conta de que, entre março de 2020 (mês que marca o início da pandemia de covid-19 no país), e dezembro de 2021, último mês com dados disponíveis, foram 2.451 feminicídios e 100.398 casos de estupro e estupro de vulnerável de vítimas do gênero feminino, e que pelo menos 100.398 meninas e mulheres registraram casos de estupro e estupro de vulnerável em delegacias de polícia de todo o país, segundo o Anuário de Segurança Pública. Ainda o levantamento feito pelo Datafolha para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública – Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil dá conta de que 17 milhões, 1 em cada 4 mulheres, acima de 16 anos, disseram ter sofrido algum tipo de violência de junho de 2020 a junho de 2021. Essas meninas e mulheres relataram terem sido agredidas durante a pandemia.

Até abril deste ano o Estado do RS registrou 8.438 ameaças, 5.049 lesões corporais, 474 estupros e 61 tentativas de feminicídio, de acordo com a SSP/RS. 

(*) Ane Cruz é Cientista Social formada pela Universidade Metodista de São Paulo, Especialista em Políticas Públicas de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, Coordenou a Central de Atendimento às Mulheres no Governo Dilma. Atualmente é ativista do Levante Feminista contra os Feminicídios no Brasil.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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