Opinião
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11 de abril de 2022
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09:41

O que importa (por Céli Pinto)

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Céli Pinto (*)

A maioria dos que lutaram e lutam por uma democracia sabe que ela é um regime imperfeito, atrelado aos interesses do capitalismo, muitas vezes usada como artifício das políticas imperialistas dos Estados Unidos. Lutamos sabendo seus limites e continuamos a lutar para ultrapassá-los. Esta é a grande tarefa das esquerdas e dos progressistas em geral.

No Brasil, a democracia tem vida curta. Começou realmente a ser defendida durante a luta contra a ditadura militar. Nas décadas de 1950 e 1960, tanto para a direita como para a esquerda, democracia não era um valor, era retórica. A direita, civil e militar, desde a eleição de Getúlio Vargas em 1950, esteve às portas dos quartéis clamando por intervenções, pedindo que acabassem com qualquer tipo de regime que se assemelhasse à democracia, que pudesse arranhar seus interesses locais, ou os do capitalismo internacional, representados por vários políticos e intelectuais. A esquerda também não nutria grande simpatia pela democracia, à época associada a um regime burguês. A ditadura do proletariado, antes e depois do golpe de 1964, esteve no horizonte de muitas lutas com um ideal.

Vista, entretanto, como um regime capaz de ultrapassar suas origens burguesas, historicamente incontestáveis, a democracia é uma novidade da secunda metade do século XX para os setores progressistas do Brasil e, me arriscaria a dizer, do mundo. A própria esquerda europeia custou muito a se libertar do sonho totalitário. Esta alternativa, capaz de amalgamar justiça social com liberdade, não vem dos gregos, nem da Revolução Francesa, mas é um projeto em construção. Um novo e frágil projeto que, neste momento, no Brasil e em várias partes do planeta, tem enfrentado opositores poderosos.

Pensando no Brasil, vivemos  um impasse gravíssimo: ou salvamos o mínimo que resta do regime democrático para, num futuro próximo, retomarmos o projeto de justiça social que se alinhavou na primeira década do século XXI, ou teremos pela frente  a destruição de qualquer resquício de democracia já alcançado, com o país caminhando a passos largos para uma autocracia à moda húngara, ou turca.

Precisamos ter presente o que isso significa e a posição que precisamos tomar para enfrentar o desastre. No momento em que o país está se esvaindo, a democracia dos progressistas tem que deixar de lado uma de suas características mais liberais, o direito de ter posições individuais puristas, intelectualmente bem construídas, não importando quais sejam as consequências.

Dentro de um ano poderei estar escrevendo que as alianças atuais do PT foram equivocadas, especialmente se a extrema-direita ganhar as eleições.  Mas não posso me dar o luxo de me omitir agora, para depois, caso tudo dê errado, poder falar: “Viram? Eu disse!”. Urge deixar de lado a vaidade liberal individualista e ir à luta. Isto é o que importa! Qualquer preferência pessoal – a minha, a da leitora, a do leitor – vale muito pouco quando o interesse é lutar contra a ameaça real do estabelecimento de um regime autocrático no país.

(*) Professora Emérita da UFRGS; Cientista Política; Professora convidada do PPG de História da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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