Opinião
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3 de março de 2022
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07:36

O cerco se fechando: o ambiente internacional joga contra Bolsonaro (por Flavio Filgenspan)

Jair Bolsonaro e Vladimir Putin, durante encontro em Moscou, em fevereiro. (Foto: Alan Santos/PR/Divulgação)
Jair Bolsonaro e Vladimir Putin, durante encontro em Moscou, em fevereiro. (Foto: Alan Santos/PR/Divulgação)

Flavio Filgenspan (*)

Convenhamos, Bolsonaro não tem tido sorte no exercício da Presidência. Já no início de seu segundo ano de mandato teve que se defrontar com a pandemia, que se estendeu ao terceiro ano. E no início do quarto ano, com todas as dificuldades de um período eleitoral, quando a pandemia parecia que ia dar trégua, surge a crise da Ucrânia. As variáveis exógenas ao Governo, determinadas pelo ambiente internacional, não têm ajudado. Porém, a forma de lidar com elas, o que é uma decisão doméstica, só fazem os problemas crescerem ainda mais, por escolhas muito erradas e por incompetência.

Depois de uma inflação muito alta em 2021, em boa parte determinada por fatores externos, a combinação de arrefecimento das causas da inflação com (expectativa de) enfraquecimento da pandemia prometia um cenário menos desfavorável a Bolsonaro neste ano. Pois eis que a invasão da Ucrânia pela Rússia desestabiliza os preços internacionais das commodities, impacta o crescimento do comércio e do PIB mundial e afeta o sistema financeiro, revertendo o que poderia se configurar como um ambiente menos turbulento no ano eleitoral de 2022.

O ano começou com fluxo positivo de capitais internacionais no Brasil, atraídos pela elevação expressiva da taxa de juros, o que resultou num movimento de alta da Bolsa e de valorização do real. Ao contrário do que aconteceu em 2021, quando a desorganização política e institucional do Governo causou fuga de capitais e desvalorização do real, com efeitos negativos na inflação, o começo de 2022 mostrou uma variação oposta do câmbio, o que ajudaria a diminuir a inflação, variável tão delicada em eleições. Claro que estava em curso uma força contrária, a da alta de preços internacionais das commodities, em especial do petróleo, mas Guedes-Bolsonaro contavam, pelo menos, com o câmbio favorável para compensar as commodities.

Agora, com a invasão da Ucrânia, a situação complicou de vez. Em poucos dias de conflito, a taxa de câmbio reverteu seu movimento de baixa e as commodities saltaram de preços, como é comum acontecer em situações de conflito. Tanto pior que Rússia e Ucrânia são grandes produtores de grãos, a Rússia tem peso enorme no fornecimento de fertilizantes para o Brasil e é uma respeitável produtora de petróleo e gás. A reação com força do Ocidente, impondo sanções econômicas pesadas à Rússia, amplia os efeitos do conflito para além da questão humanitário-militar. Não se sabe por quanto tempo vão valer as sanções e qual seu impacto na economia mundial.

O certo é que o Brasil enfrentará: (1) um câmbio desfavorável a importações, com consequências negativas sobre os preços domésticos; (2) preços dos grãos elevados, o que impacta diretamente muitos produtos básicos de alimentação (milho, soja e trigo) e as cadeias produtivas de carnes (aves e suínos) que usam os grãos para ração animal; (3) alta dos preços dos combustíveis; (4) queda das exportações; (5) dificuldades para importação de fertilizantes para a próxima safra; (6) um período maior de taxas de juros elevadas; (7) diminuição da taxa de crescimento do PIB, que já era projetada muito próxima de zero, com conseqüências sobre a renda e o emprego; e, claro, (8) aumento da inflação.

Só notícias ruins, portanto, é o que apareceu em poucos dias nesta virada de fevereiro para março, a oito meses das eleições. Tudo indica que a resposta do Governo será bem atabalhoada, como tem sido sua característica, agora ampliada pela necessidade de melhorar seus índices de aprovação. São prováveis mais pacotes desarticulados de bondades para famílias e empresas e tentativas de controle de preços de derivados do petróleo, escancarando o abandono de metas fiscais, tão caras ao discurso do Governo Bolsonaro. Entregam-se vantagens que possam render popularidade imediata em troca de piora de diversos indicadores nos próximos anos. Teria como ser diferente? O que se poderia esperar de uma mistura de falta de sorte e incompetência no ambiente de um projeto político autoritário de extrema direita?

(*) Professor do Departamento de Economia e de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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