Opinião
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11 de março de 2022
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07:23

A agricultura, a seca e a guerra (por Mauricio Botton Piccin)

A seca sempre esteve presente no cotidiano da vida dos agricultores gaúchos. (Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini)
A seca sempre esteve presente no cotidiano da vida dos agricultores gaúchos. (Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini)

Mauricio Botton Piccin (*)

A agricultura brasileira está vivendo momentos de grandes incertezas. A guerra entre Rússia e Ucrânia têm, além de elevado consideravelmente o preço, colocado na ordem do dia a possibilidade real de falta de fertilizantes para a produção agrícola. Além disso, particularmente no sul do país, estamos mais uma vez vivendo uma longa estiagem que está assolando milhares de agricultores e isso tem comprometido a produção agrícola de milho, de soja, de leite, dentre outros produtos, com impacto em toda a sociedade. 

A guerra, apesar de ser uma questão conjuntural, escancara o alto grau de dependência da agricultura brasileira devido à necessidade de importação de grande parte dos fertilizantes e agrotóxicos.  

A seca, por sua vez, sempre esteve presente no cotidiano da vida dos agricultores, em especial dos gaúchos. A novidade agora é a frequência dos eventos extremos que têm se intensificado e todos os prognósticos climáticos indicam que se continuar assim a situação deve piorar. 

Por todos esses fatores, é preciso pensar em formas de enfrentar esse cenário, tanto do ponto de vista dos (as) agricultores (as) quanto dos governos e da sociedade.  

A partir da experiência que acumulei até o momento – dois anos implementando uma transição produtiva na propriedade da família – estou convicto que é preciso mudar a matriz produtiva da agricultura. É essencial sair de uma matriz de alto custo completamente dependente e antiecológica, que tira da mão dos (as) agricultores (as) o domínio tecnológico da produção, para uma matriz que diminua ao máximo a dependência por insumos externos, que estimule o desenvolvimento da diversidade biológica do solo e do ambiente, que produza alimentos nutritivos e saudáveis e que dê uma condição autônoma para os (as) agricultores (as) e que tenha um alto grau de sustentabilidade. 

Essa nova matriz produtiva da agricultura passa pela produção e uso dos chamados remineralizadores (pó de rocha), o uso de insumos biológicos preferencialmente por aqueles produzidos pelo (a) próprio (a) agricultor (a), o chamado “on farm”, e a utilização das plantas de cobertura na rotação de culturas das lavouras. 

Existem pesquisas, inclusive da EMBRAPA, além de (e) várias experiências de agricultores brasileiros usando pó de rocha como forma de diminuir e até substituir totalmente o uso de fertilizantes solúveis na produção. O mais indicado tecnicamente é que a rocha utilizada seja localizada mais próxima possível da lavoura, gerando um custo baixo de transporte e fácil acesso. 

O uso de bioinsumos é uma ótima estratégia para substituir o uso de inseticidas e fungicidas químicos no processo produtivo e que servem não só para auxiliar no controle de pragas e doenças, mas também, para repovoar o solo e o ambiente com a diversidade de micro-organismos garantindo a saúde do solo, das plantas e do ambiente.  

A prática da produção de bioinsumos “on farm” está crescendo de forma considerável no país, tanto é que o tema é objeto de programa federal de acordo com o decreto 10.375 de 26 de maio de 2020, de alguns programas estaduais e de dois projetos de lei em debate nas casas legislativas. O PL 658/2021 em debate na Câmara dos Deputados e o PL 3668/2021 em debate no Senado Federal. Na verdade, isso demonstra que já existe um movimento forte de uma parcela importante da agricultura brasileira, de entidades e empresas a cerca do tema.

Essas ações, somadas ao uso de plantas de cobertura – particularmente os chamados mix de plantas – possibilitarão proteção do solo, mantendo-o sempre coberto e preservando a umidade, permitirá a reestruturação dos solos com o desenvolvimento da diversidade de micro-organismos e o equilíbrio ecológico do sistema produtivo, consequentemente o aumento da fertilidade, conferindo uma condição de extrema sustentabilidade para a agricultura brasileira. 

Isso tudo, permitirá uma condição de menor dependência externa e uma alternativa ao atual cenário internacional. Permitirá melhores condições para convivermos com as estiagens recorrentes na região sul do Brasil através da melhor estruturação – com isso o desenvolvimento de raízes mais profundas – e da proteção física do solo. Tornará possível produzirmos com um custo mais baixo, reduzindo os riscos econômicos dos (as) agricultores (as). 

Claro que essa mudança, do ponto de vista da agricultura, faz-se de forma gradual e processual. Contudo, é possível verificar consideráveis reduções de custos e mudanças qualitativas no sistema produtivo já no início do processo. Falo a partir da experiência de ter iniciado essa transição há dois anos na propriedade da família e já conseguido reduzir cerca de 80% dos químicos utilizados na produção da soja, milho e trigo. 

Parcelas significativas de agricultores de várias regiões do Brasil já estão fazendo essa transição em suas propriedades. Cada um do seu jeito e com suas particularidades. Experiências exitosas estão pipocando nos quatro cantos do Brasil. Agora, para que essa nova matriz produtiva se transforme em uma alternativa ao atual cenário político e ambiental é preciso que os governos e a sociedade entrem nessa agenda.  

Para isso, é preciso mais que discurso, mas fundamentalmente, fortes e consistentes políticas públicas que estimulem essa mudança.  

Políticas que valorizem financeiramente de forma gradual as produções agrícolas conforme os diferentes níveis de uso de agrotóxicos e fertilizantes solúveis, estimulando o (a) agricultor (a) a substituir cada vez mais esses insumos, cumprindo um papel indutor da mudança de modelo de produção. 

Políticas públicas que viabilizem as condições para a produção e a oferta de pó de rocha em larga escala e em todas as regiões, políticas que deem todo o suporte para a viabilização da produção de bioinsumos “on farm” com qualidade. Políticas que estimulem economicamente, tecnicamente e estruturalmente o (a) agricultor (a) a adotar práticas sustentáveis cada vez mais profundas em suas propriedades. Por último, uma assistência técnica capacitada e alinhada com essa nova matriz capaz de impulsionar esse processo. 

Dessa forma, construiremos uma agricultura altamente resiliente, capaz de suportar os problemas climáticos, ecologicamente diversa, possibilitando um alto grau de sustentabilidade, mais rentável para o agricultor gerando maior autonomia frente aos processos tecnológicos empregados na produção. O resultado disso tudo é uma produção de alimentos mais saudáveis, nutritivos e baratos, logo um país com menor dependência externa e com maior segurança alimentar e nutricional. 

(*) Mauricio Botton Piccin é agricultor, Medico Veterinário pela UFSM (mauricio.botton.piccin@gmail.com)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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