Opinião
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7 de outubro de 2021
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08:51

Rio Grande, o neoliberalismo, o necrourbanismo e as suas bombas-relógio (por Sandro Ari Andrade de Miranda)

Usina termoelétrica seria instalada junto ao porto de Rio Grande (Foto: Divulgação/SUPRG)
Usina termoelétrica seria instalada junto ao porto de Rio Grande (Foto: Divulgação/SUPRG)

Sandro Ari Andrade de Miranda (*)

Em 04 de agosto de 2020, a explosão de um tanque de nitrato de amônia, na região do porto de Beirute, no Líbano, provou mais de 100 mortes e cerca de 4 mil feridos. Na época, o problema levantou o alerta em escala global para a discussão das estruturas urbanas de cidades portuárias, normalmente transformadas em depósitos de produtos químicos e tóxicos, com elevados riscos para a vida e o meio ambiente.

Na verdade, este não é um problema novo. Segundo Ulrich Beck, acompanha é inerente à modernização [capitalista] e à ideologia do industrialismo. Quando associada ao pensar urbano, inspirado na obra de Achille Mbembe, chamo este movimento “necrourbanismo”.

Ao longo dos dois últimos séculos, a humanidade tem acompanhado diversos exemplos de necrourbanismo, os quais cresceram fortemente no pós-guerras, contabilizando mortes, danos e sequelas à saúde, com fortes traços de preconceito de classe e racismo ambiental. Em 1984, a tragédia de Bophal, na Índia, provocada pelo lançamento de gases tóxicos na atmosfera, deixou mais de 500 mil vítimas. No mesmo ano, a comunidade da Vila do Socó, lindeira ao complexo da Refinaria Presidente Bernardes, em Cubatão, São Paulo, foi afetada por um incêndio de grandes proporções que deixou cerca de 500 vítimas intoxicadas pelos gases e queimadas pelo fogo. Mais recentemente, o Brasil chorou as tragédias de Bento Ribeiro e de Brumadinho, decorrentes da construção de depósitos de resíduos de mineração à montante de cidades. Mas parece que nem toda esta experiência trágica, sequer os impactos nefastos da pandemia de COVID-19, contribuíram para educar nos dirigentes e planejadores.

Evidentemente, o necrourbanismo não caminha sozinho, tem como fiéis aliados o neoliberalismo e a subserviência política de lideranças capazes de aceitar de joelhos qualquer absurdo em nome de votos, de apoios e de financiamento de campanhas. Um exemplo gritante deste absurdo é o desespero do Governo Eduardo Leite (PSDB) e de políticos da cidade de Rio Grande para construir um complexo termoelétrico de gás natural dentro do já problemático distrito industrial da cidade.

Sem discutir se a produção de energia por gás é ou não uma boa iniciativa (tema para longo debate), o problema principal é sinérgico, na medida em que envolve a construção de uma fonte de energia, alimentada por um combustível altamente inflamável, numa região com solo turfado e cercada por vários depósitos de produtos químicos, inclusive o mesmo da tragédia de Beirute. Aliás, em complexo industrial sem plano de emergências ambientais. Tudo com pouquíssimo, quase nenhum, debate social e elevado índice de subserviência governamental. Em síntese, uma bomba relógio pedindo passagem.

Rio Grande é uma cidade portuária, com grande riqueza ambiental e cultural. Logo, com elevado potencial de desenvolvimento autóctone que é desperdiçado pela cegueira do populismo político. O desmonte da indústria naval depois do golpe de 2016 e do avanço neoliberal imposto por Temer e Bolsonaro, deixaram um vazio na comunidade, o que permitiu a retomada da política do desespero por algumas lideranças locais. Tudo isto abriu espaço para o renascimento de formas ultrapassadas de necropolítica, como as apresentadas acima. A história, inclusive recente, já demonstrou que este é um caminho para o fracasso e a tragédia.

(*) Advogado, doutorando em sociologia

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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