Julio Ramos Collares (*)
Os edifícios em altura são soluções urbanas benvindas em muitas situações. A tipologia do arranha-céus remonta ao fim do século XIX e apareceu primeiro nos EUA, especificamente em Chicago e Nova Iorque, além de pontualmente em várias outras cidades. Hoje, estes edifícios, devido à tecnologia, atingiram alturas descomunais e representam poder e status e nem sempre estão adequados aos seus lugares de implantação.
No caso das pretendidas Torres do Inter, tudo o que se percebe, embora o objeto arquitetônico tenha qualidades, é sua total inadequação ao lugar por muitos aspectos.
Senão vejamos:
São duas torres ao lado do estádio, a maior com 130 metros de altura e a outra com 80, de uso residencial e comercial. 130 metros equivale a aproximadamente 43 pavimentos. O edifício mais alto de Porto Alegre, o Edifício Santa Cruz, uma estrutura metálica com projeto de 1956 na Rua da Praia, tem 34 pavimentos.
Ao receber a área do município na década de 1950, o compromisso firmado pelo Sport Clube Internacional era que a área deveria ser usada para erguer seu estádio e as áreas adjacentes, se usadas, o seriam para apoio e renda do clube. Considerando o proposto atualmente, este conjunto com as duas torres, tem-se a inversão completa deste acordo. Ninguém de sã consciência entenderá este empreendimento como apoio às atividades esportivas. Neste sentido, a magnitude da proposta sugere a ideia do rabo balançando o cachorro.
Alienar parte do seu patrimônio, em favor da iniciativa privada, com interesses alheios à finalidade do clube de futebol, não deve estar agradando a torcida colorada. O “pátio” do estádio, na chegada ou saída do jogo, encontrará obstáculos e um uso estranho ao seu espaço de descompressão e confraternização. Da mesma forma, moradores e hóspedes do hotel terão muitas dificuldades para acessar os seus destinos. Situações não previstas em grandes empreendimentos já geraram histórias incríveis no urbanismo moderno a partir de suas complicadas relações de vizinhança. Vários tiveram que ser demolidos depois de alguns anos afim de sanar e resolver problemas urbanísticos graves.
Ouvi que o projeto era gentil em seu térreo e cobertura, por ter um pavimento térreo permeável e ter na cobertura um mirante. Não duvido. Mas gentilezas urbanas tratam de benefícios ao público, de oferecer qualidade aos espaços de uso da população. Sobre isto, alguém acha que o conjunto não será cercado? Alguém acha que o acesso à cobertura será franqueado ao público da orla e do Parque Marinha e ao povo em geral?
Pelo lado urbanístico, temos visto os regramentos do PDDUA cada vez mais serem desprezados e boa parte dos grandes empreendimentos serem analisados como “especiais”. Parece que o Plano Diretor só regula os pequenos projetos. Mesmo assim, nos projetos especiais, quando há interpretação da lei, deveria sempre valer o seu espírito. Desde a Av. Ipiranga até o Iberê, da Av. Borges/Av. Pe. Cacique, em direção ao rio/lago Guaíba, esta faixa é toda ela de uso público. Os empreendimentos privados estão ”atrás” da linha representada por estas duas últimas avenidas. Assim, sob este aspecto tão importante, qual o argumento que sustenta a presença dos arranha-céus neste lugar? A quantos beneficia os resultados do poder econômico?
O entorno de moradias, colégio, comércios, escola de samba, o quilombo, as áreas públicas de esporte e lazer em nada ganham com esta proposta, ao contrário, só perdem. Dá para prever o que irá acontecer num dia de jogo concorrido com o trânsito de automóveis e a mobilidade urbana nos arredores.
Pretender ser Dubai (Camboriú é muito perto), convenhamos, não tem nada a ver com a bela Porto Alegre da orla e do pôr-do-sol.
(*) Arquiteto e Urbanista, morador do Bairro Santa Tereza
§§§
As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.