Jonattan Rodriguez Castelli (*)
Transcorrido um ano e meio desde o início da pandemia da Covid-19 e da crise sanitária e socioeconômica decorrentes dela, que assolaram o mundo, já é possível fazer uma avaliação preliminar dos seus efeitos na nossa sociedade. A crise sanitária ceifou milhões de vida ao redor do globo, 592 mil somente no Brasil (até o dia 23 de setembro de 2021), além de aprofundar as mazelas sociais que marcam nosso país, escancarando a violência que as desigualdades impõem ao nosso povo.
No ano de 2020 o PIB brasileiro teve uma queda real de R$ 400 bilhões (caindo de R$ 7,8 trilhões para R$ 7,4 trilhões, conforme dados do Banco Central do Brasil). A taxa de crescimento do PIB, por sua vez, foi de -4,1%, uma queda mais intensa do que a sofrida na crise fiscal e parlamentar do Governo de Dilma Rousseff (-3,5% em 2015) e do que ocorrida na crise financeira global (-0,1% em 2009). Como resultado, o PIB per capita brasileiro teve uma redução real de aproximadamente -4,61% (saindo de um patamar de R$ 36,9 mil em 2019 para R$ 35,2 mil em 2020) [1]. De tal maneira que a crise propiciada pelo Covid-19 deteriorou a condição de vida da maior parte da população brasileira.
A crise econômica se reflete na piora dos indicadores do mercado de trabalho brasileiro. Entre o primeiro trimestre de 2020 e o primeiro trimestre de 2021, houve um aumento de 1,955 milhões de pessoas desocupadas; 565 mil subocupadas por insuficiência de horas; 3,962 milhões de força de trabalho potencial; e 1,2 milhões de desalentadas, sendo que a taxa de desemprego aberto do país subiu de 11% em 2019 para 13,9% em 2020 [2].
Além do aumento do desemprego, a classe trabalhadora brasileira foi flagelada com a elevação da inflação, especialmente dos alimentos, e no consequente derretimento do salário mínimo real. O IPCA subiu de 4,3% em 2019 para 4,5% em 2020. Porém, se recortarmos apenas o IPCA de alimentos e bebidas, esse indicador subiu de 6,3% para 13,3% no mesmo período. Já o IGP-M, o principal indicador para reajuste de aluguéis, alcançou uma variação de 23,1% em 2020, contra 7,3% em 2019. Encarecendo, portanto, o custo de habitação da classe trabalhadora. Em razão dessa parcela social dispender uma fatia maior da sua renda em bens essenciais, como alimentação e moradia, foi quem mais sofreu com a inflação de 2020.
Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) [3], no acumulado 12 meses, até maio de 2021, a alta de preços para as famílias com rendas muito baixas foi de 8,9%, para com as rendas baixas foi de 8,7%, enquanto para com renda alta foi de 6,3%. Ademais, o preço da cesta básica subiu em todas as capitais, onde é realizada pesquisa pelo DIEESE: no acumulado 12 meses até junho de 2021, ela teve aumento de 14,5% em São Paulo; 19,3% em Campo Grande; 25,3% em Porto Alegre; e 29,9% em Brasília [4].
Afora isso, a desigualdade socioeconômica também se apresenta na variação de renda individual. Conforme estudo do Centro de Políticas Sociais da FGV [5], a renda individual média do brasileiro sofreu uma queda de 9,4%, do final de 2019 ao segundo trimestre de 2021. Destaca-se que a perda de renda foi mais intensa entre a metade mais pobre do país, -21,5%, enquanto entre os 10% mais ricos foi de -7,6%, isto é, menos de 1/3 do observado entre a camada mais pobre. Já na faixa intermediária, entre os 50% mais pobres e os 10% mais ricos, a queda de renda atingiu 8,96%.
Assim, o que o estudo revela é que as perdas de renda crescem quanto mais afastado se está do topo da distribuição de renda. Em suma, os pobres foram os mais prejudicados em suas rendas. A situação se agrava, devido a nesse período ter ocorrido uma elevação da proporção de pobres, subindo de 4,88% da população brasileira em junho de 2020 para 12,98% em julho de 2021. E por conseguinte, diante do empobrecimento da população brasileira, da elevação do desemprego e do custo de vida da classe trabalhadora, o grau de desigualdade de renda do país (medido pelo índice de Gini) piorou: subindo de 0,6327 em janeiro de 2020 para 0,6460 em fevereiro de 2021. Assim, para o caso brasileiro, a pandemia que nos assola não é apenas do coronavírus, mas também do vírus desigualdade, o qual se alastra incontrolavelmente.
Notas
[1] Dados do relatório “Vinte e Cinco anos de Economia Brasileira (1995-2020)” elaborado pelo Centro de Altos Estudos de Economia Brasileira no Século XXI.
[2] HORN, C. H.; DONOSO, V. R. Desemprego, subutilização e desafios da recuperação do mercado de trabalho. Portal Democracia e Mundo do Trabalho em Debate.
[3] LAMEIRAS, Maria Andreia Parente. Inflação por faixa de renda: maio 2021. Carta de Conjuntura. Brasília, DF, n. 51, Nota de Conjuntura, 25, 2. Trim. 2021.
[4] Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)
[5] NERI, M. Desigualdades de Impactos Trabalhistas na Pandemia. FGV Social. Setembro 2021.
(*) Professor do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional e Sistemas Produtivos da UEMS (PPGDRS/UEMS)
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