Economia
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17 de setembro de 2021
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09:20

Apostas erradas causam prejuízos (por Flavio Fligenspan)

Ministro da economia Paulo Guedes, em entrevista coletiva. (Foto: MinEco/Divulgação)
Ministro da economia Paulo Guedes, em entrevista coletiva. (Foto: MinEco/Divulgação)

Flavio Fligenspan (*)

Desde os primórdios da história, o homem sempre tentou projetar o futuro. Demonstrar saber o que iria acontecer no futuro significava atingir o binômio prestígio-poder, ou até mais que isso, uma espécie de poder especial ou sobrenatural, uma aproximação com os deuses. 

A partir do desenvolvimento dos mercados, o binômio se transformou no trinômio prestígio-poder-dinheiro. Filósofos, historiadores, cientistas políticos, economistas e, na versão atual da história da humanidade, epidemiologistas, têm se esforçado para antever o futuro. Na versão não científica, tentam praticar o mesmo exercício cartomantes e comentaristas esportivos. Ainda não se sabe quem erra mais.

Economistas que atuam no mercado financeiro têm especial interesse em acertar o futuro, tanto pelo prestígio que o acerto acarreta, como, e em especial, pelo dinheiro que isto pode render. No entanto, forçados a se expor cotidianamente por dever de ofício, são os profissionais que mais exibem seus  desacertos. E não é por falta de material de trabalho e por falta de técnica econométrica que os erros acontecem; é pela dificuldade de modelar a realidade, sempre muito mais complexa que os modelos. Não é raro uma nova variável ou uma mudança significativa de um parâmetro perturbar os resultados, mas isto só se descobre depois do ocorrido, quando o prejuízo já está dado.

O fato é que os economistas do mercado financeiro erram muito e, no entanto, persistem na sua tarefa de projetar o futuro e continuam sendo consultados sobre o porvir. A vontade da humanidade de se antecipar ao futuro é maior do que a perda de confiança que os equívocos cometidos deveriam gerar. O problema é que há erros comuns, do dia a dia, e há erros grosseiros. Os primeiros podem ser considerados leves ou naturais e devem produzir resultados negativos absorvíveis pela sociedade em geral e pelos aplicadores de recursos, em particular. Os erros grosseiros causam estragos maiores, levando à perda de prestígio e a prejuízos financeiros não desprezíveis.

Os representantes brasileiros do grande capital, seja sua fatia produtiva, seja a do mercado financeiro, apostaram em Bolsonaro em 2018. Hoje, cabe perguntar: no que mesmo apostaram estes agentes? Nas ideias de Paulo Guedes para a economia brasileira e no pensamento conservador de diversos grupos que se juntaram ao então candidato a presidente. Implícitas estavam duas hipóteses: (i) de que o liberalismo extremado e já fora de época de Guedes teria dificuldades, mas acabaria por colocar muitas coisas da economia brasileira no lugar (sabe-se lá o que queria dizer, genericamente, “muitas coisas”, mas foi assim mesmo); e (ii) que o discurso radical do candidato era só para ganhar votos num momento muito especial da vida nacional e que certamente ele seria controlado quando eleito, pelas próprias circunstâncias do exercício do poder, que exigiriam moderação, e/ou pelos militares que o cercavam (este segundo item lembra um pouco a eleição do Collor, obviamente sem a presença dos militares).

Como se sabe, as previsões falharam. Os motivos são diversos, desde a inexperiência e a incapacidade política de organizar o debate no Congresso até os problemas com o clã Bolsonaro. Claro que a pandemia fez sua parte; afinal, se tudo estava pronto para não funcionar, não era com uma situação de excepcionalidade que ia dar certo. O fato é que as falhas nas projeções, tanto de médio como de curto prazo, têm gerado prejuízos bem grandes em vários mercados, seja no âmbito da produção, seja no financeiro.

Os grandes especialistas do mercado financeiro erraram feio, no médio prazo, pela aposta que fizeram em Paulo Guedes e Bolsonaro, e no curto prazo, pela expectativa não efetivada de recuperação da atividade no pós pandemia. Nos últimos meses, cada nova rodada de previsões traz expectativa de crescimento menor e de inflação e juros maiores para o final de 2021 e para 2022. Diante do fracasso do Governo, o abandonam, aumentam suas críticas públicas e retiram sua confiança. Quanto maior a crítica e a distância, mais se distanciam da responsabilidade do apoio em 2018, como se o que não deu certo se devesse a um problema de execução do projeto, não do projeto propriamente, pois este contou com seu suporte e granjeou suas expectativas positivas. Assim, se eximem de sua responsabilidade histórica. Em desespero, buscam a chamada terceira via para 2022, reforçando a ideia de se afastar do fracasso; talvez seja tarde demais.

O fato é que os grandes erros de médio e de curto prazo estão custando muito caro, tanto para o setor produtivo como para o financeiro, e estão arrastando milhares de pequenas e médias empresas e pequenos e médios aplicadores de recursos que acreditaram nas projeções dos experts. E, como de costume, causando enormes problemas para as camadas mais pobres, que sofrem sem ocupação, com rendimentos em queda e inflação em alta. As notícias diárias de queda da Bolsa e de alta do dólar são apenas a face mais simples e direta das apostas erradas e das projeções equivocadas. Assim que, do trinômio prestígio-poder-dinheiro, a ponta do dinheiro tem sofrido um abalo importante. Prestígio e poder são variáveis bem mais difíceis de medir e que custam a se modificar em sociedades conservadoras.

(*) Professor do Departamento de Economia e de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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