Miriam da Silva e Ronaldo Quadrado (*)
Está cada vez mais evidente o aumento no número de crianças e adolescentes em estado de vulnerabilidade neste período de pandemia. A crise econômica e a crise social afetam com mais intensidade as pessoas mais pobres, justamente a população usuária da rede socioassistencial. E esta conjuntura dramática faz com que cada vez mais pessoas e famílias passem a necessitar deste apoio.
Um dos impactos dessa catástrofe social é o crescimento exponencial de casos de exploração do trabalho infantil. No momento, inexistem políticas públicas que gerem atividades com algum nível de remuneração e formação, intensificando as dificuldades em combater esse drama. O desemprego em massa, o aumento da inflação e a falta de políticas voltadas à população mais vulnerável são a certeza de que se trata de um quadro social que tende a se aprofundar. Na realidade, temos um problema que é próprio do modo de produção capitalista.
Desde 1990 o Brasil vinha melhorando seus índices referentes à erradicação do trabalho infantil, justamente ano de criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabeleceu o direito a profissionalização e a proteção ao trabalho paralelamente a Constituição Federal de 1988. Desta forma, é expressamente vedado qualquer tipo de trabalho para pessoas abaixo de 14 anos. Após essa idade, aos 16 anos, só é permitido na condição de aprendiz. A partir dos 16 anos, além da condição de aprendiz é, também, permitida a condição de empregado, estagiário ou autônomo, salvo se houver atuação em período noturno, atividades que ofereçam algum tipo de risco, condições consideradas como insalubres e prejudiciais à formação.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), temos no Brasil 1,8 milhões de crianças e adolescentes com idades entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil. Destes, 45,9% executam ocupações consideradas altamente nocivas para o seu desenvolvimento.
Impossível não trazer a questão sobre quais infâncias são as mais afetadas em consequência do racismo estrutural que permeia a nossa sociedade, segundo o IBGE, 66,1% das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil são negros. Em Pelotas, como em todo país, o povo que mais sofre com a falta e dificuldade de acesso nos âmbitos da saúde, de assistência social, de educação e de cultura é o povo negro. E os efeitos dessa exclusão social percorre a vida das pessoas desde o início da infância até a falta de oportunidade no direito à profissionalização com segurança.
É preciso desmistificar a fala que qualquer trabalho previne a inserção de adolescentes na criminalidade. Pesquisas mostram que grande parte das pessoas privadas de liberdade trabalharam na infância. A exploração do trabalho infantil desmotiva a continuação dos estudos, a ponto de provocar a evasão escolar, trazendo riscos e prejuízos a saúde e expondo crianças e adolescentes em vários tipos de violência, como tráfico de drogas e exploração sexual, considerados uns dos piores pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Outra realidade imposta pela sociedade capitalista é a ideia de consumismo, o que faz com que crianças e adolescentes fiquem dependentes esteticamente da moda, sejam estimuladas pela propaganda massiva e, por consequência, padronizam o desejo de consumo quando a capacidade de consumir é extremamente limitada para a grande maioria das famílias trabalhadoras. A frase “melhor estar trabalhando do que estar roubando” é muito utilizada pelos adolescentes abordados. O desejo de uma melhoria na qualidade de vida é comum também entre eles. Alguns trazem consigo suas conquistas relacionadas ao consumo, como, por exemplo, a compra de um par de tênis “de marca”, cuja utilização é requisito para a aprovação entre os grupos de convivência. Ou seja, além de serem vítimas do trabalho sem segurança, são vítimas, também, das estratégias de marketing das empresas e de um sistema econômico baseado na legitimidade dos bens privados em detrimento da dignidade da vida humana.
(*) Conselheiros Tutelares de Pelotas
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