Opinião
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25 de fevereiro de 2021
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14:52

O coronavírus e os criadores de crocodilos (por Tau Golin)

Por
Sul 21
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O coronavírus e os criadores de crocodilos (por Tau Golin)
O coronavírus e os criadores de crocodilos (por Tau Golin)
Reprodução/Facebook

Tau Golin (*)

Para anunciar o protocolo da bandeira preta, que com o oportunismo populista dos prefeitos fica incolor, o governador Leite citou as internações diárias provocadas pelo coronavírus em Porto Alegre. No primeiro pico, na casa dos 60; no segundo, na dos 70; e no terceiro, no dos 170.

Nestas três fases, a cidadania fica como grupos que só têm um único caminho para fugir da morte.

É conduzida a passagem de um rio infestado de crocodilos.

A única alternativa é atravessar nadando.

Na outra margem está o governo Bolsonaro, alguns governadores e centenas de prefeitos.

No lugar de providenciarem embarcações robustas para a travessia, incentivam que atravessem nadando.

– “Mas, e os crocodilos?” – gritam os desesperados.

– “Eles tomaram vacina da China e viraram jacarés desdentados!” – respondem, em coro, os autodidatas do negacionismo.

Um dos generais especialistas em logística e sobrevivência nos amplos apartamentos funcionais do Estado, estimula os desesperados, baseado no regimento de um ex-capitão expulso do exército e que, num país em que tudo é possível, virou presidente:

– “Não tenham medo. Alguns, aqueles que não são atletas e que estão em vias de apitar na curva, bater a cola na cerca, cumprimentar São Pedro, vão sofrer uma metamorfose e se transformar em boi-de-piranha. Os outros vão chegar aqui.”

Com o espectro ceifador chegando aos desesperados, o primeiro grupo dos 60 se jogou no rio e começou a bracear em direção a outra margem. Os crocodilos fizeram a festa, enquanto a gritaria e o sangue rubro tingiam as águas.

Na margem de chegada, gritos de incentivos, apostas em quem atravessaria, indicações por onde seguir. Nenhuma canoinha de socorro, nenhum galho alcançado, nenhuma corda lançada; sequer algumas pedrinhas jogas nos crocodilos.

Por fim, parte do bando chegou à margem oposta, coberto pela gritaria de comemoração negacionista. Alguns eram abraçados, recebiam tapinhas nas costas dos apostadores. Todos esgualhepados, sequelados e mais mortos que vivos.

Tempos depois, correu a notícia que os bandos de desesperados que diuturnamente chegavam na margem, procurando escapar do pandêmico ceifador, já eram em maior número, passavam de 70.

Bem alimentados, os crocodilos se multiplicavam.

O governo negacionista gastou o erário em tratamento preventivo, em frotas de aviões transportando contagiados em estado grave; mas também poupando em outros requisitos importantes, como oxigênio para os hospitais etc.

O presidente chegou a fazer incursões na margem oposta, confraternizando com os candidatos à travessia do rio dos Crocodilos. Como preparação ao translado de margem, estalou-se tendas de negociatas, liberou-se as comemorações natalinas; pulou-se o Carnaval, com marchinhas, frevos e outros ritmos; em alguns matinhos, mantiveram-se baladas. Os bois-de-piranha já era um rebanho pastoreado pelo governo.

Logo, a tropa para o abate diário na calha do rio já era de mais de 170.

Fazendo coro ao governo federal, o governador inventou um passatempo fúnebre que consistia em pintar o mapa do Rio Grande do Sul, colorindo as regiões conforme a proporção dos mortos, hospitalizados e contaminados. Alguns prefeitos utilizaram as mesmas cores. Mas a maioria deles, adicionaram outros pigmentos, conforme os interesses econômicos e indigência cidadã de seus munícipes.

Enquanto o abatedouro continuava com sua safra de carcaças e sequelados, apenas os cientistas e profissionais da saúde protestavam.

– “Em rio de crocodilo não se atravessa a nado!”

– “De margem a margem se constrói uma ponte, projetada pela arquitetura da vacina.”

Todo oportunismo é perverso e possui seus crocodilos de estimação. Mesmo que centenas de pessoas continuem morrendo para nutrir todos os monstros que se mantém mesmo nas mais absurdas tragédias humanas, estimulados pelo populismo de múltipla ideologia, em uma realidade em que existe ausência de estadistas.

Arriscando-se na travessia ou sentados na margem, os brasileiros continuam morrendo.

O enigma é: há tempo para demonstrar que de onde não se espera mais nada ainda possa sair alguma coisa…

(*) Tau Golin é jornalista e professor-pesquisador dos cursos de graduação e pós-graduação em História da Universidade de Passo Fundo. Texto publicado originalmente na página do autor no Facebook.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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