Opinião
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23 de fevereiro de 2021
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13:57

Nota do Sindicato dos Engenheiros em defesa do saneamento público (por SENGE-RS)

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br
Foto: Divulgação

Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (*)

A concessão à iniciativa privada dos serviços hoje a cargo do Departamento de Águas e Esgotos (DMAE), processo ora em análise e formatação pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), está definitivamente na pauta do SENGE e da Prefeitura de Porto Alegre após a eleição e posse da nova administração municipal.

Como vem fazendo ao longo de quase 80 anos de história, o Sindicato dos Engenheiros no Rio Grande do Sul, vem a público apresentar seus argumentos à sociedade e à categoria. Deixaremos de lado a análise ideológica e os partidarismos que interferem na questão para nos concentrarmos em dados e evidências técnicas, que como representante de todos os engenheiros gaúchos, é a parte que nos cabe.

Nesse sentido, antecipamos desde já nosso posicionamento definitivamente favorável à manutenção na esfera pública do DMAE e dos demais serviços de saneamento, livres portanto, da lógica empresarial vocacionada acima de tudo à obtenção de lucros e resultados operacionais, legítima, mas na maioria das vezes, contrários e onerosos em demasia aos interesses da coletividade. Reafirmamos esta advertência, já anteriormente manifestada em nota publicada no Portal SENGE em 30/12/2020,  oportunidade na qual estendemos tal preocupação às áreas da energia, assistência técnica e extensão rural, infraestrutura, entre outras.

Quando setores interessados fazem apologia ao processo de privatização generalizada dos serviços de saneamento, deixam de apresentar fatos concretos efetivados por todo o planeta onde diversos processos de privatização foram revertidos na chamada reestatização.

Dados da Cornell University, instituição fundada em 1865 em Ithaca, New York, informam que nos Estados Unidos, expoente máximo da economia liberal, nada menos que 84% dos serviços municipais são públicos. Estudo da ONG Municipal Services Project (MSP) adverte que a tendência mundial está na municipalização dos serviços de saneamento e não o contrário. Metrópoles como Berlim, Paris, Budapeste, Bamako (Mali), Buenos Aires, Maputo (Moçambique) e La Paz, estão voltando atrás porque constataram que as privatizações ou parcerias público-privadas acarretaram tarifas muito altas, o que vai de encontro aos acordos, promessas, regulamentações e à necessária transparência.

Custos e tarifas

Ademais, a configuração fiscal e jurídica bem como o foco no lucro do parceiro privado são condições que o impedem praticar uma tarifa de água mais baixa daquela praticada por uma concessionária pública. Prova disso é que para clientes residenciais que consomem mensalmente de 11 a 20 m³ o custo da água tratada para um habitante da cidade de Porto Alegre (DMAE: Saneamento Público) é de R$ 3,75 por m³, porém, para um cidadão de Uruguaiana (BRK: Saneamento Privado) esse custo salta para R$ 7,02 por m³, quase o dobro.

Excelência na gestão x diminuição de quadros profissionais

Ao longo dos anos a imagem do DMAE esteve associada a um órgão público com administração de excelência, dotado de sistema de gestão consolidado, certificações auditadas e boas práticas gerenciais. Contudo, sucessivas gestões municipais trataram de subtrair do Departamento DMAE sua força de trabalho, quase 1100 servidores no intervalo de 12 anos:


Sobre isso, ainda em 2015, o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB/2015) alertou aos gestores municipais quanto ao número de servidores da estrutura organizativa do DMAE. Naquele ano, em relação aos cargos criados (Lei Municipal), 48,21% se encontram providos (ocupados) e 51,79% se encontram vagos. É de se imaginar que esses percentuais, intencionalmente agudizados, provoquem sérios riscos à segmentos estratégicos do Departamento.

Sem surpresa, recente Inspeção Especial do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS – Informação Nº 73/2020) confirmou essa situação: “O Relatório de Inspeção Especial levantou dados, estimou danos e caracterizou os riscos decorrentes do impacto da falta de reposição do quadro de pessoal, que se identificou e, largamente, demonstrou-se serem devido à intervenção da Administração Direta sobre a autonomia do DMAE”.

DMAE superavitário

Apesar dos verdadeiros ataques que recebeu, o desempenho financeiro do DMAE, arduamente conquistado pelos quadros técnicos, administrativos e operacionais que ainda restam, permaneceu satisfatório e continuou a provocar a cobiça de grupos empresariais nacionais, transnacionais e do mercado financeiro (securitização).

Demonstrações contábeis atestam que no ano de 2019 o DMAE obteve superávit financeiro acima dos R$ 157 milhões. Entre os anos de 2014 a 2018 os superávits superaram R$ 637 milhões e esse resultado poderia ter sido ainda maior não houvesse ocorrido uma liquidação antecipada exigida pela gestão municipal na ordem de R$ 140 milhões em 2016 para amortização de contratos do Programa Integrado Socioambiental (PISA).

Em relação ao BNDES, encontra-se aberta consulta pública aos estudos, com minuta de edital, contrato e respectivos anexos da Concessão dos Serviços Públicos de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário prestados no Município de Porto Alegre. No entanto, ação do Ministério Público de Contas (MPC), no final de 2020, requereu prorrogação do prazo dessa consulta e teceu imenso rol de irregularidades no contrato firmado pelo BNDES com o Município de Porto Alegre em dezembro de 2019 pelo então prefeito Nelson Marchezan Júnior. Já o prazo final da consulta pública passou do dia 29 de janeiro para o dia 1° de março de 2021.

Engenheiros do DMAE compararam esses estudos do BNDES a um inventário vasto com questões elementares e básicas sem resposta, cujo cronograma executivo de três anos foi concluído às pressas em escassos nove meses. Definitivamente, não há como subjugar os fatos, ainda mais que projetos similares aos dos cenários apresentados pela consultoria do BNDES acarretaram, em diversos países e cidades brasileiras, ausência de transparência, tarifas elevadas e descumprimento contratual.

Agências reguladoras e o controle social

Também vale ressaltar o papel das agências de regulação, questionáveis em matéria de autonomia e independência, que não impediram que isso ocorresse devido ao sistema de indicações dos seus conselheiros, muitos oriundos de agremiações político-partidárias, consolidando a chamada “captura do regulador pelo regulado”, o que impede a prevalência da técnica e do interesse público que as fundamenta.

É notório o fato que o controle social atua com maior protagonismo quando o saneamento é público, assim como a prevalência de valores e práticas ambientais, infelizmente ainda tratadas como custos na maioria dos casos.

Antes de analisar cenários privatizantes, recomendamos à União e ao Estado do Rio Grande do Sul o cumprimento do dever constitucional de disponibilizar linhas de financiamento e estruturação de fundos públicos para o saneamento básico. Assim, a entrega do DMAE à sociedade porto-alegrense na forma de serviços de qualidade seria ainda maior, mesmo a sopesar sobre o Departamento o crescente enxugamento do seu quadro de servidores e o desequilíbrio tarifário dos governos recentes.

Por outro lado, a redução drástica no número de servidores responde a um plano estruturado na administração 2017 -2020, conforme artigo publicado no site da Associação dos Técnicos de Nível Superior do Município de Porto Alegre (ASTEC). Na opinião dos engenheiros que assinam o artigo, “o governo municipal   permitiu que o DMAE, para certas realidades, se tornasse deficiente ou parecesse incompetente perante os cidadãos”. Segundo o engenheiro químico Marcelo Faccin, “o governo Marchezan fez dessa percepção dos cidadãos um problema que agora exige uma solução externa, e como estratégia de manipulação, os governantes municipais propõem como ‘solução’ a privatização dos serviços de abastecimento de água e/ou de esgotamento sanitário de Porto Alegre”. Faccin vai além ao afirmar que (os governantes) “justificam a privatização pelas metas ousadas e irreais colocadas no Plano de Saneamento Básico de Porto Alegre” sabendo que o “licenciamento, projeto, licitação e obra do porte da construção da nova Estação de Tratamento de Água (ETA) Ponta do Arado exigem prazos aproximados de quatro anos”.

O artigo assinado também pelo engenheiro civil Adinaldo Soares de Fraga, diretor do SENGE, afirma que “sucateia-se o DMAE, terceirizam-se tarefas para criar na memória das pessoas um clima de desaprovação do modelo atual, que apesar do desmantelamento pela gestão passada, ainda se constitui em um modelo de autarquia municipal na gestão dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário com elevado conceito junto à população”.

Os engenheiros Adinaldo e Faccin são categóricos ao afirmar que o DMAE é superavitário. Ainda segundo eles o Departamento tem repassado recursos para os cofres da Prefeitura. “Na concessão dos serviços do DMAE”, afirmam, “está implícita a obtenção de recursos privados para outras finalidades como o saneamento das finanças públicas municipais” … “possíveis demandas na área do abastecimento de água e de esgoto sanitário são meras desculpas para justificar um ato administrativo”, pois “de antemão, fere-se um princípio fundamental: a integralidade no planejamento e na gestão dos serviços de saneamento básico”.

Alertam também que a eventual privatização do lucro proveniente da prestação dos serviços de abastecimento de água e socialização dos prejuízos, afetará negativamente as demais áreas do saneamento, como a drenagem pluvial e a gestão dos resíduos sólidos, impedindo de oferecer serviços de qualidade à população da Capital.

“Os gestores municipais, a partir do ano 2017, optaram pela estratégia de contingenciar recursos do departamento para construir maiores superávits. Segundo dados constantes no Relatório Gerencial Financeiro do DMAE, a média dos investimentos realizados nos anos 2007 a 2016, considerando-se a arrecadação, foi de 22,75%, enquanto no ano 2017 esse valor caiu para 10,64%, numa clara demonstração de que recursos da autarquia estavam sendo contingenciados”.

O artigo dos engenheiros do DMAE afirma também que para piorar a imagem do Departamento perante a população porto-alegrense, “a terceirização dos serviços de leitura não foi corretamente realizada, o que gerou descontentamento dos usuários, os quais tiveram os valores de suas contas de água majorados. Paralelo a isso (segue o artigo) segundo o relatório de gestão de 2019, o DMAE apresentou naquele ano um superávit financeiro de R$ 157 milhões. Olhado apenas sob a ótica financeira, poderíamos achar ótimo esse superávit, mas, com um olhar mais apurado, diríamos que um órgão público como o DMAE foi relapso nos investimentos, gerando reclamações de falta de água em várias regiões da cidade, principalmente na região leste (bairro Lomba do Pinheiro). Isso significa que o DMAE priorizou outros investimentos em vez de investir na melhoria do sistema de abastecimento”.

(*) Diretoria do SENGE. Publicado originalmente na página do Sindicato.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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