Opinião
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26 de fevereiro de 2021
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13:42

De Churchill aos “pigmeus” da política e da imprensa (por Luiz Marques)

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br

Luiz Marques (*)

“A loucura dos grandes deve ser vigiada.”
William Shakespeare

A etnia Mbuti vive na Bacia do Congo, onde os adultos crescem até 1,50 cm de altura, muito inferior aos padrões ocidentais. Os exploradores europeus os denominaram de “pigmeus”, cuja etimologia vem do grego significando antebraço, o limite comparativo alcançado por sua baixa estatura. A expressão possui conotação pejorativa, não é usada pelos nativos. No entanto, como um bumerangue metafórico, aplica-se aos políticos caucasianos com mandato nas esferas federativas do Brasil. Nessa acepção aparece no título do artigo. Ação.

O ex-primeiro-ministro da Inglaterra, Winston Churchill (1940-45; 1951-55), colocou em xeque o prestígio pessoal e o relevante cargo ao posicionar-se contra a proposta de negociação com a Alemanha, então sob as patas do nazismo. Compreendeu o perigo representado para a Europa pela ascensão de Adolf Hitler. Disse “Não” a uma possível negociação, conforme desejava o seu antecessor, Neville Chamberlain (1937-1940). Disse não à rendição, de viva voz. “Lutaremos nas praias. Lutaremos nos terrenos de desembarque. Lutaremos nos campos e nas ruas. Lutaremos nas colinas. NUNCA NOS RENDEREMOS… Esta é a vontade do Parlamento e da Nação”, proclamou. Assim, unificou o país na Segunda Guerra. “Nada vos tenho a oferecer além de Sangue, Suor, Trabalho e Lágrimas.” Interpelou o povo do Reino Unido na Câmara dos Comuns, sem apelar à demagogia.

Não há comparação sensata entre a biografia do grande líder inglês, tornado patrimônio simbólico de resiliência para o mundo inteiro, e os pigmeus da política nacional. Veja-se o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB),  eleitor do abortivo presidente Jair Bolsonaro. O ex-prefeito de Pelotas criou o chamado Gabinete de Crise para Enfrentamento da Pandemia. Este decidiu manter o regime de cogestão com a Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs) e Associações Regionais (22/02): “Todos nós recebemos a confiança da população para protegê-la, tanto do ponte vista sanitário quanto econômico, e para encontrarmos a melhor medida das nossas ações no momento especialmente crítico que estamos vivendo”, narrou o tucano.

O argumento para a manutenção da estrutura de governabilidade sublinhava o objetivo da parceria: “Não para terceirizar, mas para compartilhar a responsabilidade”. A negação no início da assertiva apontava para o recalque, que se queria esconder. Tratava-se sim de uma terceirização que rejeitava o próprio nome. Pura politicagem. O governador tenta jogar sobre os ombros de terceiros os conflitos gerados com setores da economia que lidam, diretamente, com os consumidores. A repartição do poder é conveniente, em circunstâncias de restrições para preservar a ordem pública. Para os prefeitos, a corresponsabilidade implica uma capacidade maior de negociação com os comerciantes, dos quais os alcaides são objetos de pressão vis-à-vis, em cidades de pequeno ou médio porte que conformam a maioria.

Leite abre mão da centralização das ações de combate à Covid-19, no que copia o capitão. A desresponsabilização peessedebista segue o rumo desastrado do Palácio do Planalto quando se desobriga de planejar a compra e a distribuição das vacinas e, inclusive, de adquirir as seringas para aplicá-las. A inação lhes é comum. Ambos recusam o fardo de liderar e trazer para si os cuidados com o povo. Mostram-se pigmeus em face das exigências dos encargos. Isso não impede o governador de cavar minutos na mídia. A propósito, gravou um vídeo (24/02) em que ressalta a situação catastrófica da rede de Saúde no RS: “Pedindo providências, de acordo com a gravidade do quadro em cada municipalidade… Fica meu apelo aos prefeitos para que entendam a realidade… O alerta está dado.”

A ladainha lacrimosa repete-se desde a formalização da tal cogestão – da morte. O aspirante a voos em Brasília não formula um discurso para sinalizar saídas em segurança para o conjunto do território sob sua jurisdição. Verbaliza o frágil apelo de uma tíbia autoridade. Evoca a figura do tiozinho que distribui conselhos, sem compreender que estamos em uma verdadeira guerra sanitária. Não age para evitar a calamidade pública, reage a ela quando o colapso nos atendimentos aos doentes já se configurou. Prova-o a determinação tardia, ao custo de incontáveis óbitos, de lockdown no estado a partir de 27/02, data em que terá um ponto final tardio a cogestão (27/02 a 07:03). Com certeza, é um governo reativo, jamais propositivo.

Há erros crassos. A divisão em regiões territoriais, que embasa a suposta pluralidade de avanços e recuos da pandemia, inviabiliza a construção de uma política capaz de enfrentar a adversidade in toto. Faz-se de conta que as fronteiras regionais são estanques, suposição que não resiste ao confronto com os deslocamentos de veículos e pessoas. Ademais, as bandeiras parecem meras sugestões. Se retratassem a realidade, daí se depreenderiam medidas a seguir. Em vez disso, são desacreditadas pela possibilidade de as prefeituras reeditarem procedimentos ligados à bandeiragem anterior. Impossível estabelecer uma política com tamanha flexibilidade no trato do caos pandêmico.

O caso de Amazonas é paradigmático, embora ainda não seja levado a sério por quem de direito. Em 26 de dezembro, o governador Wilson Miranda Lima (PSC) decretou a proibição do funcionamento das atividades essenciais. Dia seguinte, 27, por injunção de protestos mobilizados por comerciantes e empresários, voltou atrás. Em meados de janeiro assistiu-se à derrocada amazonense. Pacientes perderam a vida por não disporem de galões de oxigênio e, os leitos de UTI, não aguentaram a alta demanda. Os segmentos econômicos atingidos pelas normas cautelares deveriam ter dirigido às manifestações de irresignação para o Ministério da Economia e para o Banco Central. Erraram o alvo.

Em São Paulo, o governador João Doria faz malabarismos para não desagradar a banca e, ao mesmo tempo, garantir algum verniz para o marketing de bom governante. Restringiu a afluência em horários sem necessidade, das 23:00h às 5::00h. Período em que o comércio lojista não está aberto. Fecha às 22:00h. De maneira geral, nem os dirigentes municipais, nem os estaduais, muito menos o prócer da União poderão asseverar amanhã: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada” (Carta do apóstolo Paulo a Timóteo).

O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), por seu turno, rebola para cumprir os compromissos de campanha. Afiança que não há provas de que os estabelecimentos comerciais disseminem o vírus. Antes, cumprem à risca o protocolo recomendado. Tergiversa. A questão não se resume ao espaço físico onde atuam. Diz respeito ao fluxo e à concentração de pessoas. Melo mostra-se refém do comércio varejista de produtos e serviços. Tivesse maior autonomia, ao invés de fazer coro com o negacionismo, auxiliaria os descontentes a pressionar as autoridades monetárias, que controlam a quantidade de moeda no mercado e as condições de crédito e financiamento da economia.

Apoios negacionistas não faltam aos governichos de Leite e Melo. “O RS não pode suportar mais uma vez o fechamento do comércio, da indústria, dos serviços e das escolas. O trabalho também salva vidas… Importante lembrar que o gaúcho não foge da peleia”, garganteia o deputado estadual Ernani Polo, do Progressistas (Zero Hora, 25/02), como se jogasse truco num Centro de Tradições Gaúchas (CTG). O prefeito da capital, em toada idêntica, discordou do anúncio governamental de lockdown. Pior: ao expor a motivação cometeu um ato falho bolsominion revelador: “Contribui com a tua vida (pausa…) pra que a gente salve a economia do município de Porto Alegre.” Sem comentários. O peixe é fisgado pela boca.

O fato é que as fanfarrices somente acham guarida na imprensa amiga que, com artificialismos, esconde a existência e a força da oposição. A ponto de um jornalista, herdeiro do extemporâneo colunismo social, do tipo “você sabe com quem está falando?”, propor que nas eleições de 2022 o PT não lance candidato à presidência e adira a uma candidatura de centro, pasmem, para derrotar Bolsonaro. O escriba da casa grande, de um lado, faz coro com a extrema-direita para cassar o registro petista. De outro, adula a centro-direita e os eleitores arrependidos do genocida.

O zigue-zague engloba, igualmente, as instituições da República que corcoveiam para promover, ora a acomodação com o governo protofascista, ora o puxão de orelhas nos malfeitos que extrapolam os limites admissíveis para o metabolismo da legalidade. Conforme o cientista político Luis Felipe Miguel (UFMG), numa hora prendem um deputado federal pelas coisas que a família sempre arrotou. Noutra, o Supremo Tribunal De Justiça (STJ) anula toda a investigação sobre a rachadinha e garante impunidade para o senador (miliciano?) Flavio Bolsonaro (Republicanos) o 01. Os bacanas da institucionalidade ainda acham razoável negociar o “ovo da serpente”.

Que falta faz um Churchill diante dos “pigmeus” que infestam os três poderes (Executivo, Parlamento, Judiciário) e os meios de comunicação de massas. Nestes, aliás, a ética do  antecessor do “Velho Leão” já seria o suficiente para trazer luz à opinião pública.

(*) Professor universitário, ex-secretário estadual de Cultura do Rio Grande do Sul.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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