Opinião
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1 de agosto de 2019
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11:36

Neste bolo, falta a receita (por Ramiro Castro)

Por
Sul 21
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Neste bolo, falta a receita (por Ramiro Castro)
Neste bolo, falta a receita (por Ramiro Castro)
(Foto: Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas)

Ramiro Castro (*)

A partir de 2014 pelo menos, o mantra de nossos governantes em todas as esferas tornou-se uníssono: Ajuste, corte de despesas, combater os gastos. A cantilena não é nova, embora mude as roupas e os vernizes de quando em vez para parecer que é algo que nunca foi feito antes. Arrocho, com servidores sem reajuste, reformas nos regimes de previdência, decretos de contingenciamento de recursos,etc.. Engraçado que, quanto mais cortam, mais falta.

O resultado, todos nós vemos e sentimos na pele. A deterioração dos serviços públicos, o desemprego e a informalidade crescente e uma “recuperação” econômica em ritmo de tartaruga, fruto de uma política austericida que levou os investimentos públicos brasileiros a recuarem a um patamar negativo histórico e não conseguir suprir nem a deterioração dos bens existentes, que dirá investir em infra-estrutura desde 2015.

O principal problema da carga tributária no Brasil não é, como o senso comum advoga, que ela é alta, similar aos países da OCDE, sobretudo em relação ao nosso nível de desenvolvimento econômico, mas sim que ela é injusta e regressiva e excessivamente complicada. O foco atual em tributos indiretos, penalizada os mais pobres, e quem vive de salário. Temos um binômio regressivo em que se penaliza quem consome e quem produz, mas não quem vive de renda, acionistas, donos de ativos, etc..

O que ilustra de maneira simples este sistema tributário ineficaz e desenhado para proteger os mais ricos é a Lei 9249/1995, que não apenas isentou os lucros e dividendos de acionistas de Imposto de Renda ( Anteriormente a alíquota era de 15%), mas também ao criar a figura dos “Juros sobre capital próprio”(JSCP) e permitir sua dedutibilidade, reduziu de forma significativa o montante pago pelas empresas de IR e sobretudo seus acionistas. Ainda, somando-se outras despesas isentos e não tributáveis, como letras de câmbio, hipotecárias, LCI,LCA, dividendos de acionistas inscritos no SIMPLES, transferências patrimoniais como doações, bonificações em ações, as despesas médicas privadas, soma-se, segundo a receita um montante de quase 1 trilhão de reais ( 844,05 bi em 2016).

Deste montante, em 2016, 270 bilhões foram provenientes de lucros e dividendos. Somados aos dividendos de titulares e sócios de empresas inscritas no simples ou não, chegamos a um número de 350 bilhões. Saliente-se ainda que tal montante vem crescendo nos últimos anos de forma muito expressiva, sendo em 2007, dez anos antes, de 108 bi.

Longe de figurar como “bitributação” como expressado por alguns estudiosos no assunto, que consideram que o lucro empresarial já tributado por imposto de renda na pessoa jurídica, temos uma isenção injusta e inconstitucional, uma vez que não obedece aos preceitos básicos da tributação qual seja isonomia e equidade. O argumento da bitributação também não se sustenta uma vez que a pessoa física e a pessoa jurídica são entes diferentes, e a tributação sobre uma não isenta a outra.

Para termos uma ideia da magnitude do que estamos falando, 71.440 declarantes do imposto de renda em 2013 declararam renda superior à 160 salários mínimos. Desta renda 66,9% esta ISENTA de imposto de renda, através de lucros e dividendos, e este percentual continua aumentando ano após ano, beirando hoje os 70%. Isto é quase o triplo da isenção média das outras faixas de renda, em torno de 24%.

Segundo estudo técnico elaborado pela CNM, considerando o imposto de renda retido exclusivamente na fonte e o imposto devido, estes brasileiros, que constituem 0,03% da população, contribuíram em 2013 com menos de 6% de sua renda total para o Estado brasileiro, muito pouco para qualquer padrão comparativo internacional. Nossa carga tributária é regressiva, contribui para o aumento da desigualdade, e portanto ineficiente.

Estamos falando de que os brasileiros no topo da pirâmide, cuja renda média é superior a 4 milhões de reais( 4.460.380 em 2013) tinham em média 3.130.697 totalmente isentos de tributação. Num país com um déficit anual na casa dos bilhões de reais e uma discussão forte sobre reforma da previdência, é um absurdo que tal patrimônio continue isento.Estamos falando de um patrimônio de quase 500 bilhões de reais isentos e não tributáveis, dos quais os lucros e dividendos correspondem a mais de 70% deste montante.

A estimativa conservadora é de que se voltasse a tributação de 15% sobre lucros e dividendos chegaríamos a uma arrecadação anual que ultrapassaria os 60 bilhões de reais. Mas o escoamento de renda não para por aí, com os ultra-ricos se beneficiando proporcionalmente de forma acintosa com outras excrescências legais e tributárias, como o ITCMDI ( Imposto sobre heranças e doações), imposto estadual porém com regulamentação dada por Resolução do Senado Federal e cuja alíquota máxima atualmente é de 8% para heranças e ainda menor para doações. O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) encaminhou proposta ainda em 2015 ao senado para que a casa alta aumentasse o limite da alíquota para 20%. Ainda a PEC 96/15 sugere tributação progressiva, aumentando o limite para até 27,5% e mais alíquotas diferenciadas, em consonância com experiências internacionais exitosas. Para efeito de comparação este imposto chega a representar 0,5 % do PIB em alguns países, enquanto no Brasil circula por volta de 0,1% apenas.

Os governos deveriam olhar não apenas para o surrado discurso de corte de despesas, mas sim para o incremento da RECEITA. Estimativa conservadora mostra que fazendo o dever de casa com ousadia, por exemplo, somente o RS somaria + de 5 bi ao ano em receitas tributárias! Se somar aumento do ITCMDI, chegaria à 6 bilhões. Em relação ao governo federal, a implementação da tributação dos lucros e dividendos e letras de câmbio, somada à redução de isenções das doações e heranças e da dedução dos JSCP, aumento do Imposto de Renda para o topo da pirâmide ( acima de 300 mil reais) para 35% e a elevação da contribuição previdenciária dos militares poderia gerar, numa estimativa realista e até conservadora, pelo menos 77 bilhões no período de apenas 1 ano, segundo recente artigo publicado pela renomada economista Laura Carvalho.

É possível, basta vontade política e cobrar de quem tem.

Fontes:

Observatório de Política Fiscal – Imposto sobre herança

Carta FEE – Imposto sobre herança e doações. O caso do Rio Grande do Sul

A isenção tributária sobre a distribuição de lucros e dividendos

Estudo sobre a não tributação de lucros e dividendos no Brasil

Sul21 – Auditores fiscais apresentam 5 propostas para aumentar em R$ 5 bi arrecadação anual do RS

(*) Ramiro Castro é advogado.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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