Opinião
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8 de junho de 2019
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19:16

A missão (por Paulo Guarnieri)

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Sul 21
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A missão (por Paulo Guarnieri)
A missão (por Paulo Guarnieri)
Assinavam a faixa as 5 maiores organizações políticas de esquerda da nação, que unidas apoiavam o movimento. (Foto: Gilnei da Silva)

Paulo Guarnieri (*)

Dia escuro de outono na minha Porto Alegre. O chuvisqueiro fino, típico desta estação, soprado pelo vento fresco, eriçava minha pele com a sensação de frio.

Era 30 de maio de 2019. Foi organizado um grande ato público de resistência popular na capital, organizado pelos estudantes contra o corte de recursos na educação, promovido pelo governo Bolsonaro. A mim, coube, por mera casualidade, apanhar na gráfica a faixa, que, logo mais, abriria a caminhada dos manifestantes.

Uma missão simplória e que não deveria causar qualquer impacto, ou, muito menos, revestir-se de maior significado. Mas a minha marcha difícil pelas calçadas esburacadas e o excessivo tempo de espera necessária para a passagem do ônibus circular, deram-me ânimo e tempo para pensar no ato que praticava.

É necessário saber que já possuo uma idade avançada e minha mobilidade é reduzida, pelo menos no modal pedestre. Meu velho joelho direito, já sem ligamento cruzado e com um caco de menisco, constitui a cruz que carrego no meu calvário cotidiano. Contudo, lá estava eu carregando a pesada faixa de 6m x 1m. Então comecei a pensar no seu significado.

Afinal, eu não estava ali portando um objeto qualquer, desprovido de qualquer sentido. Não! Absolutamente… carregada em meus braços ia a faixa que abriria uma grande marcha de resistência popular. O que, no momento histórico que vivemos, significa a possibilidade de rodar para frente a história, não permitindo estagnação ou retrocesso.

E a legenda? Sim, porque a mensagem inscrita na faixa de abertura da caminhada deve encerrar em si a natureza, o caráter e a amplitude da ação de resistência.

O primeiro conceito trabalhado pela faixa era o da unidade, valor tão caro e que porta em si o próprio germe da condição humana: unir para mudar. Conteúdo este tão ausente nas lutas sociais deste século.

O objetivo da manifestação ali transcrito: a educação. Sustentáculo do pensamento, indutora das ações e que carrega consigo oportunidades de promoção humana e progresso econômico e social.

Assinavam a faixa as 5 maiores organizações políticas de esquerda da nação, que unidas apoiavam o movimento. E poderia afinal estar ali o germe da tão sonhada unidade libertária dos que lutam pelas classes populares.

Então percebi que minha pele eriçada, já não era mais de frio, mas de emoção pelo simbólico da faixa que então carregava.

Mas o ônibus chegou na parada, e esgueirando-me do chuvisco, rapidamente embarquei. No coletivo, rostos circunspectos, olhares hirsutos, semblantes cerrados, como que me puxaram à realidade. Apesar do curto trajeto sentei, e retomei o pensamento sobre a manifestação.

Todos os elementos estavam presentes: a condição miserável de vida dos mais pobres, a verdadeira avalanche de perda de direitos, a erosão de conquistas históricas, e, ainda por cima, o sucateamento da educação, tábua de salvação da nossa sociedade já tão combalida. Por outro lado, as condições subjetivas, de certa forma, também se apresentavam. Era notória a consciência da massa de estudantes que desfilaria pelas ruas com as suas organizações. Juntos, os sindicatos na luta contra a reforma da previdência. E os partidos progressistas unidos em apoio à luta popular.

Mas estava ali apresentado mais um grande desafio histórico. Neste cenário politicamente volátil, o mais instigante é cultivar a capacidade das organizações partidárias de se colocarem junto com o povo: não tentarem ir à frente, em atitude de condução; e nem atrás, em postura de reboque. É não tentar fazer do movimento popular uma mera correia de transmissão de propósitos partidários. Pois esta postura arrefece o movimento social, cuja maior riqueza é a pluralidade. Estas atitudes quebram a unidade popular, revestem as legítimas manifestações de sectarismo, isolando e reduzindo grandes lutas a meras manifestações partidárias.

(*) Integrante do Coletivo Cidade Mais Humana

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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