Jacques Alfonsin (*)
Entre 1º e 10 deste maio, A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil reuniu o episcopado brasileiro em Aparecida, para a sua 57ª Assembleia Geral. Como um dos efeitos deste encontro, publicou uma “Mensagem ao Povo Brasileiro”, já disponível em seu site. Num clima de muita fé e esperança, o pronunciamento está caracterizado, de um lado, pela alegria de os bispos constatarem “incontáveis os sinais do Reino de Deus entre nós a partir da ação solidária e fraterna, muitas vezes anônima, dos que consomem sua vida na transformação da sociedade e na construção da civilização do amor.” De outro lado, pelo reconhecimento dos graves problemas pelos quais passa o Brasil, hoje, exigindo ações urgentes de enfrentamento e solução.
Em muito resumida análise deste documento, podem ser destacadas dez denúncias do episcopado brasileiro, sobre políticas desenvolvidas atualmente pelo Poder Executivo da União, algumas prometidas e outras já em execução, as quais aparecem como extremamente danosas ao bem-estar e aos direitos do povo. Vale a pena identificá-las:
- Já existem nada menos do que “sinais de morte” na atual realidade do país, ameaçando a vida de “filhos e filhas de Deus”, “especialmente das/os mais vulneráveis”, o que implica num “apelo de que não nos conformemos com este mundo, mas o transformemos”, afirma a mensagem lembrando a Palavra de São Paulo na epístola aos romanos 12,2, uma exigência clara do nosso imediato empenho na superação dessa injustiça.
- Para superação da crise ética, política, econômica e cultural, optou-se “por um liberalismo exacerbado e perverso, que desidrata o Estado quase ao ponto de eliminá-lo”, abandonando-se as políticas sociais, favorecendo-se “o aumento das desigualdades e a concentração de renda em níveis intoleráveis, tornando os ricos mais ricos à custa dos pobres cada vez mais pobres”, sendo urgente reafirmar-se, por isso, “a necessidade de políticas públicas que assegurem a participação, a cidadania e o bem comum.”
- Em recado muito direto às últimas medidas tomadas pelo Ministério da Educação do (des)governo, a mensagem do episcopado salienta: “Cuidado especial merece a educação, gravemente ameaçada com corte de verbas, retirada de disciplinas necessárias à formação humana e desconsideração da importância das pesquisas.”
- Sobre a corrupção, esse “câncer social”, conforme o Papa Francisco, é na perversa relação que ela cria entre o que é indispensável de dinheiro público para investimentos necessários às garantias devidas a direitos sociais e o que ela subtrai daí, uma visível comprovação da urgência de se combater esse mal “também por uma mudança de mentalidade que leve a pessoa compreender que seu valor não está no ter, mas no ser e que sua vida se mede não por sua capacidade de consumir, mas de partilhar.”
- “O crescente desemprego, outra chaga social, ao ultrapassar o patamar de 13 milhões de brasileiros, somados aos 28 milhões de subutilizados, segundo dados do IBGE, mostra que as medidas tomadas para combatê-lo, até agora, foram ineficazes.”
- Sobre a necessidade de se “preservar os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras”, os bispos fizeram oportuna lembrança da exortação apostólica Evangelii Gaudium do Papa Francisco e da doutrina social da Igreja em relação à “primazia da pessoa sobre o mercado e do trabalho sobre o capital”: “A dignidade de cada pessoa humana e o bem comum são questões que deveriam estruturar toda a política econômica, mas às vezes parecem somente apêndices adicionados de fora para completar um discurso político sem perspectivas nem programas de verdadeiro desenvolvimento integral”
- “A violência também atinge níveis insuportáveis”. Mães que enterram filhos jovens assassinados, “famílias que perdem seus entes queridos e todas as vítimas de um sistema que instrumentaliza e desumaniza as pessoas, dominadas pela indiferença. O feminicídio, o submundo das prisões e a criminalização daqueles que defendem os direitos humanos reclamam vigorosas ações em favor da vida e da dignidade humana.” O mandamento “Não matarás” lembrado pela mensagem – nisso ela revela mostrar-se diretamente contrária à toda a atual política de segurança do |(des) governo – não acredita em “projetos que flexibilizem a posse e o porte de armas.”
- Lembrando os povos originários (implicitamente as terras em que nelas vivem), o episcopado lembrou as Palavras de Jesus Cristo no Evangelho de São Mateus (25, 45): “Todas as vezes que deixastes de fazer isso a um destes mais pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer”. “É grave a ameaça aos direitos dos povos indígenas assegurados na Constituição de 1988. O poder político e econômico não pode se sobrepor a esses direitos sob o risco de violação da Constituição.”
- Por isso, há que se reconhecer que: “A mercantilização das terras indígenas e quilombolas nasce do desejo desenfreado de quem ambiciona acumular riquezas. Nesse contexto, tanto as atividades mineradoras e madeireiras quanto o agronegócio precisam rever seus conceitos de progresso, crescimento e desenvolvimento. Uma economia que coloca o lucro acima da pessoa, que produz exclusão e desigualdade social, é uma economia que mata, como nos alerta o Papa Francisco (EG 53). São emblemático exemplo disso os crimes ocorridos em Mariana e Brumadinho com o rompimento das barragens de rejeitos de minérios.”
- Em matéria que praticamente sintetiza a discordância da CNBB não só com os objetivos, mas até com a maneira de as políticas pretensamente públicas do atual (des)governo estarem sendo postas em execução, a mensagem dos bispos deixou claro: “As necessárias reformas política, tributária e da previdência só se legitimam se feitas em vista do bem comum e com participação popular de forma a atender, em primeiro lugar, os pobres, “juízes da vida democrática de uma nação” (Exigências éticas da ordem democrática, CNBB – n. 72). Nenhuma reforma será eticamente aceitável se lesar os mais pobres. Daí a importância de se constituírem em autênticas sentinelas do povo as Igrejas, os movimentos sociais, as organizações populares e demais instituições e grupos comprometidos com a defesa dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito. Instâncias que possibilitam o exercício da democracia participativa como os Conselhos paritários devem ser incentivadas e valorizadas e não extintas como estabelece o decreto 9.759/2019.” {…} “Queremos uma sociedade cujo desenvolvimento promova a democracia, preze conjuntamente a liberdade e a igualdade, respeite as diferenças, incentive a participação dos jovens, valorize os idosos, ame e sirva os pobres e excluídos, acolha os migrantes, promova e defenda a vida em todas as suas formas e expressões, incluído o respeito à natureza, na perspectiva de uma ecologia humana e integral.”
Nem todas/os as/os brasileiras/os e suas organizações, pelo que se vê num documento desta origem e significado, está assistindo passivamente as violentas, repressivas, injustas, inconstitucionais e graves violações dos seus direitos, especialmente os sociais, que estão sendo praticadas todos os dias pelo atual (des)governo do país. A CNBB, com a coragem desse testemunho público, não está falando apenas para cristãos. O seu pronunciamento comprova, para toda a sociedade civil brasileira, mas de modo muito particular para o povo pobre do país, que um Estado auto proclamado como de direito, não pode continuar suportando uma desestruturação do seu poder público, promovida justamente por quem o administra, ao grau de acentuar o seu regime dito democrático como uma farsa. Independentemente, pois, de ideologia, crença, posições politicamente partidárias, há que se ouvir o clamor dessa mensagem e partir para a ação por ela proposta.
(*) Procurador aposentado do Estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.
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