Franklin Cunha (*)
“Passamos do espanhol ao francês, do francês ao inglês e desse à completa ignorância de nosso idioma”.
Jorge Luiz Borges
É válido para a língua portuguesa o aforisma de Borges. Trata-se evidentemente de um idioma em extinção. Não só pelo atual desconhecimento do mesmo pelos seus usuários, mas porque, afinal de contas, é um idioma de Terceiro Mundo. Nenhum país desenvolvido se comunica através da “última (e murcha) flor do Lacio. Com a evolução das comunicações, várias tentativas foram feitas para se criar uma língua internacional. Na ciência e tecnologia, na literatura, na música, nos esportes, no comércio, a mais conhecida e quimérica língua universal do oftalmologista judeu-polonês Dr. Ludwig Zamenhof não vingou e o esperanto de hoje é o inglês.
Paulo Rónai é quem afirma: ”não há nenhum ramo de estudos superiores que se possa abranger por meio unicamente de manuais em português. Nem se pode conseguir uma ampla perspectiva artística, técnica ou intelectual quando se está confinado nos limites de nossa língua pátria”.
No curso médico, por exemplo, iniciamos com a anatomia do francês Testut, passamos pela fisiologia em espanhol do argentino Houssay e terminamos com “Principles of Internal Medicine” do Harrison, em inglês. Em português, só as “sebentas”. E hoje, quem não assina ao menos o American Journal de sua especialidade e não sabe ler a internet, está fora do mundo.
O futuro da língua será determinado de modo incisivo, pela capacidade que os países de fala portuguesa tiverem para desenvolver celeremente conhecimentos científicos e tecnologias de comunicação, iguais às das nações dominantes nesse campo altamente especializado. E é óbvio que nem o Brasil, nem Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Timor Leste, São Tomé e Príncipe, Goa, Damão e Macau estarão – dentro do atual panorama global – algum dia incluídos nessa network conectada por satélites de um bilhão de dólares que estão destruindo fronteiras, culturas, economias e idiomas.
No século dezenove, falavam-se mais de mil línguas indígenas no Brasil. Hoje existem apenas duzentas, como o trumai, por exemplo, língua riquíssima da Amazônia que tinha seis vocábulos para denominar o mesmo pássaro e foi inteiramente destruída por uma epidemia de gripe introduzida por garimpeiros.
A epidemia da língua inglesa grassa impunemente entre nós e nem as ricas sonoridades e significações da palavra “saudade” se salvarão.
Uma pergunta lógica e provocativa se impõe: algum aborígene ainda falará o português no final do século atual?
(*) Médico, membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
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