Opinião
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21 de janeiro de 2019
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10:15

Tabaré Vazquéz: nos vemos nas eleições! (por Gustavo de Mello)

Por
Sul 21
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Tabaré Vazquéz: nos vemos nas eleições! (por Gustavo de Mello)
Tabaré Vazquéz: nos vemos nas eleições! (por Gustavo de Mello)
Tabaré Vázquez, ex-presidente do Uruguai
Tabaré Vázquez, presidente do Uruguai | Foto: Fábio Pozzebon/ABr

Por Gustavo de Mello

Tabaré Vázquez é o atual presidente dos uruguaios que encerra o mandato com as eleições deste ano (2019). As normas constitucionais estipulam cinco anos, sem possibilidade de recondução consecutiva, no principal cargo do país. Vázquez foi o primeiro presidente de esquerda, sendo sucedido pelo mítico dirigente tupamaro Pepe Mujica, no cargo máximo da pequena república de três milhões de habitantes, somando três governos consecutivos do Partido do Frente Amplio. No dia 30 de junho serão realizadas as eleições internas nos partidos para definir as indicações, no mínimo, dos principais partidos: Partido Frente Amplio, Partido Nacional, Partido Colorado, Partido Independiente, Partido Asamblea Popular, além de outros menos cotados.

Vázquez anunciou que vai defender seu governo diante de uma oposição que vem se articulando desde a derrota eleitoral de 2015. A sinalização feita aos integrantes do Partido Frente Amplio é que, para conquistar um quarto mandato, se exigirá empenho, clareza de propósitos e muito debate para fortalecer as conquistas dos últimos anos.

Em um episódio considerado insólito pela agressividade dos populares e com uma reação incomum do sempre sereno Tabaré, ele se enfrentou com pessoas integrantes do movimento “Un Solo Uruguay” que o cercaram. Pressionado por quem queria acusar e não dialogar, no meio de um bate-boca, com empurra-empurra, mesmo sendo interpelado agressivamente, o frenteamplista Vázquez não perdeu o foco e lhes respondeu, diante de toda a imprensa do país: “nos vemos nas eleições! ”.

“Un Solo Uruguay” é um movimento do campo dos que se dizem indignados com os rumos, os custos e os gastos do país, definindo-se como “pessoas sem partidos políticos, convocados pelas redes sociais”. Ora, ora… dizem os que sentem a movimentação dos partidos tradicionais insuflando esses grupos.

Na parte que corresponde ao campo da esquerda uruguaia se está construindo candidaturas a presidente e vice em meio a um ambiente nada pacífico e de divergências internas especialmente ao campo do Frente Amplio, em um jogo dramático de luta por espaço e poder, sem abrir mão do uso do direito ao tradicional “fogo amigo” com vazamentos de informações.

Um exemplo caricato desta prática, teve o protagonismo involuntário de uma ministra do governo que fazia parte do “Comitê Virtual” do Frente Amplio, no whatsapp. No dia do episódio se discutia a idade máxima que deveriam ter os líderes políticos em cargos públicos. Ela que não é nova, desdenhou do assunto e disse estar mais preocupada com os “neopentecostais”.

Digitou como mensagem no grupo: “Setor, para não dizer praga que aumenta, e se me preocupo é porque não sabemos como criar uma utopia de um novo homem no século XXI e eles estão pisando nossos calcanhares”, advertiu sobre o progresso dos evangélicos no plano político. Ela que não costumava fazer postagens no “Comitê Virtual” acabou se tornando manchete de um dos jornais mais vendidos, o “El País”.

A polêmica é pertinente porque lembra que, historicamente, os diversos setores políticos se reconheciam na secular tradição laica do Estado uruguaio. Lembremos que ela arranca no início do século XX, separando religião católica e Estado, inclusive juridicamente. Em 1919 foram impedidos que símbolos religiosos permanecessem nas repartições públicas, entre outras iniciativas que se inspiravam em alimentar um parentesco com a institucionalidade francesa.

No entanto, quase cem anos depois, o livro dos cristãos, a Bíblia, voltou a ser pauta dos uruguaios. O palco desta celeuma foi no departamento de Cerro Largo, no interior do país, próximo da fronteira do Brasil. O “start” da crise foi a construção de um monumento à Bíblia, realizado sem respeitar qualquer protocolo de tramitação legal que tivesse passado pelos vereadores ou, até mesmo, um singelo pedido de licenciamento, ainda mais para uma placa de ferro de bom tamanha que seria colocada em espaço público.

O clima de desavença foi criado e esteve sob o comando do prefeito da cidade, em parceria com vários pastores associados, o que acabou por jogar gasolina opondo religiosos e defensores da tradição secular uruguaia. O episódio e as críticas foram o suficiente para amplificar vozes de opositores e defensores do monumento. Foi um pulo para juntar com assuntos como o aborto, questões de gênero e diversidade, assim como o uso com controle estatal da maconha.

A iniciativa permitiu flagrar a harmoniosa sintonia política entre religiosos evangélicos e uma parte dos integrantes do Partido Blanco. A historiadora Ana Ribeiro se mostrou inconformada com a construção do monumento e não pode ser, em absoluta, definida como uma esquerdista.

Pode-se perceber nesses movimentos algo como os elementos de combinação de uma estratégia eleitoral que já é conhecida dos brasileiros. Ao se somar outras pautas vamos ver um resultado semelhante ao nosso. Eles estão anunciando o caos em termos de segurança pública; questionam os resultados de uma reclamada reforma do processo penal, profundamente insatisfeitos com as penas, ainda que omitam que é um problema com os que interpretam as normas alteradas e os resultados práticos de suas ações com estas recentes mudanças inspiradas em vários institutos vigentes hoje no Brasil e no mundo.

As divergências públicas verbalizadas por integrantes do Ministério Público que há tempo se apressam em publicizar os erros graves dessa reforma é de que há “muito garantismo”. As opiniões destes setores jurídicos jogam água no moinho dos que, dentro do Partido Blanco, defendem que junto com as eleições de 2019, se realize mais uma consulta à população mediante um plebiscito. O objetivo é interrogar se a população quer o endurecimento das penas, invasão noturna de domicílios, formação de uma guarda nacional com os militares e fim da progressão de regime para apenados.

Considerando o que até agora foi apresentado por colorados, no capítulo das iniciativas políticas oposicionistas, parece que não haverá alterações de quem vai liderar o campo oposicionista. Os colorados recuaram no tempo, ao animar o debate político eleitoral, com suas movimentações internas. O protagonista desta estratégia é um octogenário que ao ser buscado em casa por diversos setores políticos desta tradicional agremiação está sendo apresentado como um “clássico para novos tempos”.

Trata-se do ex-presidente Júlio Maria Sanguinetti, rejeitado por boa parte dos uruguaios, conhecido por sua relação de proximidade com os militares e por ter aceitado participar de eleições presidenciais ainda com proscritos, presos políticos. Claro que a novidade aqui pode ser uma sinalização de que está sendo animado um movimento de unidade, cor de rosa, com a mistura já no primeiro turno do vermelho dos colorados com a liderança política dos blancos.

Há outra iniciativa eleitoral que também surgiu nas internas do partido Blanco.

Trata-se de um espetáculo de marketing eleitoral protagonizado por um controverso empresário que, até pouco tempo, era um desconhecido da cena política tradicional. Um multimilionário chamado Juan Sartori, uruguaio, natural de Montevidéu que, no entanto, viveu e fez fortuna no exterior.

Sartori neste momento está percorrendo o país, dialogando nas internas dos blancos, mas onde passa é acusado de ser um “estrangeiro” sem legitimidade para propor saídas aos desafios de governar o país. O fato é que os blancos estão sendo considerados os fortes adversários para derrotar a situação esquerdista que completará, no fim das eleições, um ciclo de dezesseis anos de governos.

Por fim, aparece também na cena eleitoral uruguaia o onipresente pauta da corrupção, sempre acionada na região quando se trata de enfrentar a esquerda nos debates políticos eleitorais. Em uma entrevista publicada em um jornal de grande circulação, o empresário Ignácio Otegui, que faz parte da cúpula empresarial da construção civil, foi questionado sobre investimentos argentinos realizados na cidade turística mais importante da orla uruguaia: “Boa parte das construções em Punta del Este foram feitas com dinheiro argentino não declarado? ”

O dirigente patronal que enfrentou a mais longa e aguerrida greve de trabalhadores da construção civil em 1993, respondeu o seguinte: “Como me disse um famoso empresário. Os argentinos nascem, se desenvolvem e morrem em um país onde possam esconder tudo. Com isso te falo que não seria estranho que todo o dinheiro que veio para cá tenha saído do circuito econômico argentino. Dinheiro sujo declarado ou não declarado, enquanto obedeça às normas uruguaias para mim “plim” (sic), o que fizeram do outro lado da fronteira não tenho condições de avaliar, devem obedecer nossas normas e ponto”. O fato é que os líderes empresariais estão constantemente na imprensa sinalizando sua descrença na honestidade dos governantes e que um novo governo da Frente Amplio colocaria em risco o país.

O movimento “Un solo Uruguay ” está chamando uma manifestação onde devem trancam estradas com veículos importados de tração, quatro por quatro. Os custos dos quais muitos reclamam são resultado dos direitos conquistados por trabalhadores rurais e da fiscalização para que esses direitos sejam assegurados, para paguem em dia uma jornada regular de trabalho. Assim como diminuíram as anistias, o perdão às dívidas de tributos e os empréstimos sem fim que estavam acostumados a tomar com os governos anteriores comandados pelos principais partidos tradicionais.

Tudo ainda permanece condicionado aos desdobramentos de um cenário que ainda não mede os resultados das iniciativas de governo de Jair Bolsonaro. Na outra margem do Rio da Prata, o ânimo de defender o governo do argentino Mauricio Macri foi deixado de lado. Ele está embrenhado em uma brutal crise econômica resultado dos tarifaços e do recuo sem qualquer estratégia dos investimentos públicos. Para completar, desesperado, Macri, acaba de se jogar aos pés do FMI. Com a memória de anos de glória e crescimento econômico com o kirchnerismo, foi pedir dinheiro emprestado para segurar a inflação que dispara. Também vai enfrentar eleições.

É forçoso concluir que o mundo na região ficou com menor número de certezas eleitorais, ao que parece, ainda mais para os programas políticos organizados no campo popular. Assim que é preciso tomar nota do que está em curso na região e dialogar muito. Debater e escrever. Sempre é importante recordar que no Uruguai é valiosa a história de defesa da democracia. Ela guarda símbolos fortes, poéticos, potentes; ainda mais quando são necessárias convocatórias de resistência, como é o caso agora, com certeza

As recentes derrotas eleitorais da esquerda na região, podem exigir uma capacidade ainda maior de concertação política interna, aos partidos da coalizão, a fim de sinalizar, com radicalidade, um espaço maior de ampliação de direitos, de debates e despertar a alegria de novas conquistas muito além dos ganhos que já foram conquistados. Seria uma insuportável tristeza, para quem vibrou ao derrotar a ditadura dentro da ditadura, recuar rumo ao obscurantismo religioso, com um governo que representou a mais linda vitória do sul do sul.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 

 

 

 


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