Raul Pont (*)
A página de Economia de ZH , do dia 5/12/18, informa-nos que a ANEEL autorizou a fusão “das duas maiores distribuidoras privadas de energia no Estado”. A RGE e a RGE-SUL (ex-AES-SUL) a partir de 1 º de janeiro de 2019 atenderão 3 milhões de clientes em mais de 370 municípios gaúchos.
A fusão justifica-se pelo controle acionário de ambas nas mãos da CPFL; outra “empresa privada”, originária da antiga empresa estatal paulista, privatizada pelas mãos tucanas naquele Estado.
Tanto aqui como lá, as privatizações se justificaram pela “ineficiência” da gestão pública e pelas maravilhas que aconteceriam em investimentos e melhorias do serviço quando passassem para mãos privadas.
No RS, a brilhante ideia foi do MDB,do governo Britto, lembram? Apoiada pelos tucanos, incensada pela mídia, a proposta era redentora para o Estado. Todo o passivo da velha empresa, todos os encargos trabalhistas ficaram com a CEEE estatal e a distribuição da energia nos outros dois terços do Estado foram entregues para a RGE e a AES-SUL. Sem compromissos de investimentos em geração e transmissão, com as redes já existentes e sem dívidas herdadas,sem dúvida, um ótimo negócio para as empresas e um péssimo resultado para o Estado que até hoje continua arcando com o passivo histórico.
O governo Britto fez outro grande negócio, lembram? MDB ,PSDB e PP, a turma de sempre, entregaram, em uma das maiores negociatas do Estado, a CRT para a Telefonica (da Espanha) e sócios locais. Em um momento em que explodia a telefonia celular, tecnologia que a CRT dominava e já fornecia no RS.
A CRT era uma empresa superavitária, investia em desenvolvimento tecnológico, praticava subsídio cruzado para universalizar o serviço no Estado com modicidade tarifária e seus recursos e geração de emprego ficavam no Estado. Hoje,o custo médio não baixa de um terço do salário mínimo, não há transparência e ninguém sabe para onde vão os lucros.
Mas, voltemos à energia elétrica. O que a matéria de ZH não explica é que a CPFL, controladora da nova RGE, não é nem gaúcha, nem paulista, nem privada, pois tem seu controle acionário nas mãos de uma empresa chinesa, isto é, de uma empresa estatal chinesa, a State Grid Corporation of China (SGCC ). A Cia Nacional de Rede Elétrica da China (SGCC em inglês) é a maior empresa de transmissão e distribuição na China.
Isso mesmo. Depois de alguns anos, pelas peripécias e mágicas do tal mercado, da “mão invisível” do Capital entregamos uma estatal brasileira para uma estatal chinesa… Esse deve ser o famoso “negócio da China”.
Qual a opinião da mídia e dos arautos da privatização sobre isso? O que pensa a moçada verde-amarela do Parcão? O que tem a dizer a turma que foi votar enrolada na bandeira nacional?
“Capital comunista” pode! O que não pode é a “ideologia” ou a “política” comunista. É isso?
Ou é apenas santa desinformação ou ignorância preconceituosa enraizada nos tempos da Guerra Fria e da submissão cega à ideologia dominante do anticomunismo .
Este registro sobre a esquizofrenia do discurso e a realidade contemporânea da globalização capitalista não busca na falta de informações ou no mero reacionarismo conservador à compreensão do fenômeno. Isso existe em parcelas consideráveis da sociedade.
A questão central é que os centros emissor dessa visão anti-Estado e antinacional são conscientes e sabem o que querem e para onde vão.
Não há dúvida que o novo governo dará seqüência acelerada ao que vem sendo praticado pelo governo Temer. Essa foi a razão do golpe que derrubou o governo Dilma e que seguirá adiante com a política de primarização ( “o agro é pop, é tech”, diz a TV Globo), de liquidação das grandes empresas públicas e da desindustrialização do país. É a visão colonialista, escravocrata nas relações de trabalho e caudatária da política externa neoliberal.
As ameaças duras e adjetivas da clã Bolsonaro, o anticomunismo doentio e fora de época tipo Olavo de Carvalho , bem como os preconceitos comportamentais expressos pela bancada da Bíblia fazem parte do script, compõem o cenário diversionista para alimentar manchetes e alinhar fiéis contra o Capeta.
Mas, o que domina esse pano de fundo são as idéias e a prática do neoliberalismo rentista, da exploração brutal dos trabalhadores, do monopólio da informação alienante e do Santander substituindo o Itaú no Banco Central.
Como essa dura realidade, miremos o que ocorre neste momento com Macri , na Argentina, e Macron, na França; não combina e não dá sustentação a essa confusa dominação ideológica baseada em fake news, preconceitos; mentiras e ódio, certamente não faltará espaço para o conflito , a contradição e o reencontro com a racionalidade e a tolerância exigidas para a construção do país no mundo contemporâneo.
(*) Professor, ex-prefeito de Porto Alegre
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