Opinião
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16 de outubro de 2018
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14:05

A criança que há em mim chora, mas acredita! (por Aline Soares)

Por
Sul 21
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A criança que há em mim chora, mas acredita! (por Aline Soares)
A criança que há em mim chora, mas acredita! (por Aline Soares)
Arquivo pessoal

 Aline Soares (*)

Eu queria colocar esta foto no perfil e comemorar o dia das crianças. Mas a criança em mim chora e sente medo. Um medo que é diferente, que nunca tinha sentido antes.

A criança que há em mim chora! Por mim e por todas as mulheres, Marieles ou não. As que se identificam na luta e lutam nas ruas e as que nem mesmo percebem o risco que correm.

A criança que há em mim chora! Como descendente de escravos e indígenas, esse povo tão sofrido e explorado, ela chora. Chora pelo sangue negro (que também é seu) que escorre pelas calçadas da favela e extrapola os índices de violência. Chora pela mulher negra desvalorizada, pela cultura negra desprezada. Chora pelos índios nas calçadas. E sabe, que assim como eles também não vale nada!

A criança que há em mim chora! Chora pelos gays, lésbicas, tras. Chora pela falta de amor! E teme pelo futuro que “não dará sossego” aos que amam o arco-íris, como criança que se diverte na aquarela. Teme por sua filha, suas amigas e amigos, teme até por quem não conhece. Porque o ódio não é brincadeira não.

A criança que há em mim chora! Chora e teme não poder mais dançar de pés descalços e poder cultuar seus orixás com o peito aberto e o sorriso no rosto, de portas abertas e tambores rufantes, de terreiros escancarados ao mundo, ao amor e aos filhos seus. Teme que teremos que voltar aos porões da senzala.

A criança que há em mim chora! Chora e não entende como isso aconteceu? Como chegamos até aqui? Em que momento esquecemos que amor só é bom quando se troca?  Que amizade só é boa quando se multiplica? Que ser criança é acreditar no outro  e não aniquilar o outro?

Mas a criança que há em mim também acredita!

Acredita que o amor é revolucionário e um abraço muda o mundo!

Acredita que somos todos diferentes e essa diferença é que faz a graça na brincadeira. Somos​ igualmente diferentes e diferentemente iguais. E isso é lindo!

Acredita que a educação com amorosidade pode mudar o mundo e quebrar barreiras. Que os professores têm o dom de transformar vidas e as crianças ainda são o futuro desta nação, mas deixem elas longe das armas!

Acredita na justiça restaurativa, que não salvará o universo mas pode amenizar a reincidência de crimes a partir​ do momento que proporcione um outro mundo como alternativa, para quem nunca teve alternativa. E não, bandido bom não é bandido morto!

Acredita na legalização​ do aborto, sem banalização, mas com o devido respeito as mulheres que decidirem por este caminho. Que seus corpos sejam livres e não dilacerados pelo preconceito (e sim machismo), que ainda culpa a mulher pelo aborto, mas não se importa com o pai que também aborta!

Acredita na diversidade e se encanta com o arco íris, com as cores, sabores e amores. De gente como a gente. Talvez melhor que a gente. Que tem coragem de ser quem é!

Acredita na Saúde Pública, no SUS, no SUAS e em todas as políticas públicas sociais, porque sabe que um pão e um leite podem sim fazer alguém feliz. Que um olhar carinhoso e um acolhimento podem curar muitos males. Que cuidado é muito mais que remédio. Que emprestar a pele ao outro às vezes é preciso e a recompensa é imensamente gratificante!

Acredita que dias melhores podem vir, se estivermos de mãos dadas como numa ciranda de roda. E sabe que chora, porque dias difíceis virão.

Mas no fundo no fundo, sabe que não está sozinha!

(*) Psicóloga, especialista em Saúde Pública, Pós Graduanda em Gestão em Saúde.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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