Opinião
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2 de setembro de 2018
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15:36

Conversas sobre Paixão Côrtes, Caringi, Locatelli e outros (por Jorge Alberto Benitz)

Por
Sul 21
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Conversas sobre Paixão Côrtes, Caringi, Locatelli e outros (por Jorge Alberto Benitz)
Conversas sobre Paixão Côrtes, Caringi, Locatelli e outros (por Jorge Alberto Benitz)
Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Jorge Alberto Benitz (*)

A conversa na Confraria do Livro, apesar do baixo quórum de presentes ou por causa disso, estava animada. Corria solta e dispersa até o momento em que veio a tona a questão das esculturas da cidade. Como tinha gente entendida no assunto à coisa tomou um rumo que para mim, que pouco sei acerca dele, muito interessante. Peguei um livro que estava na mesa que versava sobre pinturas sacras feitas por Emílio Sessa. Era um belo livro ricamente encadernado e com paginas de papel de altíssimo padrão. Couche fosco 150gr, diz na sua ultima página. Ao folheá-lo topei com uma foto da cúpula da capela do Colégio Teresa Verzeri de Santo Ângelo, minha cidade natal. Foto que me fez lembrar o quanto fiquei maravilhado ao conhecê-la. Logo fiquei sabendo que o livro foi era de Estela e foi organizado por seu marido, Aldo. Estela começou a me dizer que muitas obras do Sessa foram indevidamente atribuídas a Aldo Locatelli. Depois Aldo, marido de Estela, explicou que como o Sessa, além de pintor muralista, era arquiteto e planejava o posicionamento de todos os afrescos e pinturas no interior da igreja, função que inexistia e era incompreendida aqui no Brasil, se passou a atribuir a Locatelli, pintor mais conhecido, muitas de suas obras como, por exemplo, as feitas por ele em igrejas de Porto Alegre, Pelotas e a da Capela de Santo Ângelo antes citada.

Na sequência, Estela e seu marido discorreram sobre a “guerra” encetada com os artistas para repor a verdade. Foi difícil convencê-los acerca da paternidade das referidas obras que já estavam tidas pelos artistas e publico em geral como de Locatelli. Em seguida, ainda sobre o tema esculturas a conversa avançou para as esculturas de figuras históricas. Aldo, empolgado com um tema que lhe era caro, respondeu a uma afirmação surgida sobre a estátua do Laçador:

– Antônio Caringi, o escultor do Laçador, chegou aqui e não conhecia nada dos costumes, dos tipos físicos e de tudo o mais sobre o gaúcho. Ele estudou na Alemanha com Herman Hahn, que trabalhou para o III Reich. Como era muito consciencioso foi se informar com quem era senão o maior, um dos maiores, conhecedores dos costumes e da vida do gaúcho, Paixão Côrtes. A estatua é do gaúcho a pé. Fazer o gaúcho a cavalo custaria muito caro. Na verdade, a estatua não foi feita para ser exposta aqui. Ela atendeu uma solicitação para fazer parte da comemoração dos 400 anos de São Paulo. Depois ela foi transferida para Porto Alegre. Importante, também, esclarecer que ao contrário do que é dito e tido como verdade, ela não foi feita tendo como modelo Paixão Cortes. Paixão foi, sim, ao atelier de Caringi. Pousou para o artista que fez, numa folha de papel, um desenho de como um gaúcho se posiciona para laçar quando à pé. A partir deste desenho, e sem outras participações dele, é que produziu a sua estátua – Diante de tal afirmação, Donato, amigo de Paixão, interveio:

– O Paixão sempre negou esta história. Ele cansou de contestá-la mas nunca lhe ouviram. Aquele perfil do laçador lembra um charrua. Tenho um amigo que, mesmo agora velho, é a cara do laçador.

– É o perfil de um alemão– dizia Estela no meu ouvido, assentada na formação alemã de Caringi.

– Acho que o Paixão sabia não ser ele o modelo da escultura, mas deixava a coisa correr solta porque o beneficiava. Quem o conhece pessoalmente sabe que ele faz o tipo saracura, tronco curto e pernas compridas. Nada a ver com as proporções físicas vista na escultura – arrematou Aldo.

Depois de um tempo esgotada a discussão sobre o Laçador, vem outra provocação de Aldo:

– Vocês sabem por que na estátua de Bento Gonçalves, que está ali perto do colégio Julinho, ele aparece não com a espada em punho e nem com ela embainhada?

– Porque ele chegou atrasado à batalha da ponte da Azenha – respondeu o Donato ou o Farias não me lembro.

– Sim, mas ele estava com ela abaixada e fora da bainha porque apesar das tropas dos farrapos terem vencido a batalha e tomado a “Leal e Valerosa” podia ainda ocorrer uma reviravolta e fazia-se imperativo ficar alerta – Explicou Aldo. Na sequência, para melhor demonstrar aonde queria chegar com tal exemplo, complementou:

– Estes fatos demonstram o quanto Caringi era escrupuloso no seu trabalho. Uma escultura dado o seu valor simbólico deve ser precedida de um estudo profundo sob pena de se cometer um erro eterno, como dizia Quintana acerca do escrito em bronze que vale para a escultura, a pintura, etc…

A Estela comentou que ninguém dá mais bola para as esculturas da cidade. Segundo o pessoal da área artística, Porto Alegre é a cidade que mais tem depredado esculturas no mundo. “Tem certo exagero nesta afirmação. Maior do mundo? Parece mais algo na linha “sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra”, pensei sem externar esta opinião.

– Na Praça Argentina tinha uma escultura do Apolinário Porto Alegre, de Alfredo Adlof, que era uma obra de arte. Sumiram com ela – Afirmou pesarosa Estela.

–Acho que os inimigos políticos ou pessoais sabotam ou arrancam as esculturas da cidade – afirma Estela.

– Sobre arrancar escultura sei de ouvir falar que pelo menos uma foi arrancada por inimigos políticos. Segundo a pessoa que me contou esta história, que até já morreu, ex-montoneros, que moravam em Porto Alegre, destruíram a estatua que fizeram em 1980 ao ditador argentino, General Jorge Rafael Videla, os seus bajuladores brasileiros para homenagear sua passagem na cidade, na mesma Praça Argentina citada antes – entra Turíbio, que até então se mantinha quieto, na conversa.

– Não sabia desta história da placa do Videla. A verdade é que uma tampa de bueiro tem o valor de duas pedras de crack. Esta é a principal causa dos vandalismos com esculturas. Mero furto para “passar nos pila” o material em ferro velho ­ – responde Donato.

– Estive na solenidade que reabriu ao público o monumento a Júlio de Castilhos. Uma gurizada andando de skate não estava nem aí, fazendo barulho o tempo todo. Eles não estão nem aí para qualquer coisa que não seja referente à sua geração – comenta, triste, Estela.

– Este monumento do Júlio de Castilhos tem também uma história interessante. Os maragatos e/ou católicos, inimigos dos positivistas, procuravam um defeito na escultura para cair de pau. Procuraram, procuraram e nada. Até que se deram conta de que o revolver que estava no lado direito na cintura de Júlio de Castilhos estava com o cabo virado para frente. Foi o suficiente para uma saraivada de criticas. Em resposta, alguns positivistas logo arguiram que Júlio de Castilhos era canhoto. Uma boa resposta, mas logo surgiu outra melhor, o gaúcho costuma lutar empunhando arma branca na mão direita. Só em ultimo caso, ele se socorre de arma de fogo, no caso, do revólver – esclareceu Donato.

Saio dali feliz por ter o privilégio de privar com gente desta estirpe que, a despeito de tudo ir contra neste mundo onde só o presente importa, ainda estuda e se interessa pela história que, como ocorre quando se sopra um braseiro, foi reavivada nesta animada conversa.

(*) Consultor Técnico

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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