Opinião
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3 de setembro de 2018
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13:00

A educação municipal exige respeito de quem deve zelar por ela (por Isabel Letícia Pedroso de Medeiros e Clarice Gorodicht)

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Sul 21
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A educação municipal exige respeito de quem deve zelar por ela (por Isabel Letícia Pedroso de Medeiros e Clarice Gorodicht)
A educação municipal exige respeito de quem deve zelar por ela (por Isabel Letícia Pedroso de Medeiros e Clarice Gorodicht)
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Isabel Letícia Pedroso de Medeiros e Clarice Gorodicht (*)

“É a pior educação do Brasil há muitos anos […] não precisa dar aula na sexta-feira, às 10h da manhã de quinta-feira tá todo mundo liberado”. (Prefeito Nelson Marchezan, em entrevista à Rádio Gaúcha, em 31/08/2018).

“Quem é você, que não sabe o que diz? Meu deus do céu, que palpite infeliz”. (Noel Rosa).

Poderíamos começar analisando o tipo de educação a que teve acesso o Prefeito, considerando a qualidade de sua manifestação, e se seria adequada a um estadista. Mas essa é uma análise exaustiva feita pela própria população de Porto Alegre, com um consenso amplo já construído, considerando a situação lamentável da cidade e das políticas públicas, as ações e os discursos dos gestores de plantão. Assim, é mais profícuo, ao invés de se ocupar de algo tão nefasto, considerar essa “inimiga a ser destruída” pelo senhor prefeito: a educação pública municipal.

A rede municipal de ensino de Porto Alegre é relativamente pequena, iniciando uma significativa expansão a partir de 1990, quando havia vinte e nove escolas, alcançando atualmente cem unidades de ensino, quase todas na periferia da cidade, excetuando-se as escolas infantis de jardins de praça, o Centro Municipal de Educação de Jovens e Adultos Paulo Freire e a Escola Municipal Porto Alegre, destinada ao atendimento de pessoas em situação de rua. Portanto, em função das demandas do Orçamento Participativo, estão situadas em zonas de vulnerabilidade social e econômica, onde antes não havia escolas. Não é um indicativo determinante, mas é consenso que a situação de miserabilidade econômica a que estão submetidas as comunidades da periferia colocam muitos obstáculos ao aprendizado.

É uma rede de escolas significativamente inclusiva: com cobertura em torno de 17% da matrícula total da cidade, atende 28% das matrículas da educação especial. Mantém quatro escolas de educação especial, exclusivas da modalidade, que também fazem atendimento de Educação Precoce e Psicopedagogia Inicial para as escolas municipais infantis e da rede parceira. Porém, a maioria dos estudantes público-alvo da educação especial está incluído nas escolas comuns. A rede municipal de ensino dispõe de Salas de Integração e Recursos (SIR) em todas as escolas, com implantação gradativa desde 1994, pioneira na política de educação especial na perspectiva da educação inclusiva, modelo para todo o país.

Em percentual semelhante (27%), figura o atendimento da Educação de Jovens e Adultos (EJA), com a modalidade ofertada em trinta e cinco das cinqüenta escolas municipais de Ensino Fundamental, com ensino presencial.

A implantação dos ciclos de formação, a partir de 1994, antecipou nas escolas municipais o ensino fundamental de nove anos, instituído no país apenas em 2006, com a Lei 11.274/2006. Nos ciclos de formação há a previsão de Laboratórios de Aprendizagem, professor volante e projetos para a garantia de aprendizagem para todos os estudantes. O currículo dos anos iniciais conta com a presença de professores licenciados em Educação Física e Arte, e já no 4º ano, língua estrangeira moderna. Nos anos finais, há a oferta de nove componentes curriculares, sem a prevalência de carga horária de nenhuma disciplina. A grande maioria das escolas contava com projetos de dança, de música, robótica, educação ambiental – pois nessa gestão esses projetos estão sendo desconstituídos – mobilizadores e motivo de orgulho das comunidades, premiados nacionalmente e internacionalmente.

Dos professores, todos ingressantes por concurso público bastante concorrido, um percentual de 98% têm ensino superior, e 77% têm pós-graduação, um grande número com mestrado e doutorado. Este corpo docente contava com reunião semanal de planejamento, às quintas-feiras, e dez dias de formação continuada aos sábados, sem prejuízo dos duzentos dias letivos e oitocentas horas anuais previstos em lei, organizados em calendários escolares aprovados pelas comunidades escolares, nos quais as sextas feiras sempre foram dias de funcionamento normal nas escolas.

Essa organização da rotina escolar, de 4h30 minutos diárias, com exceção das quintas-feiras, com carga horária de 2h30 minutos, foi autoritariamente desconstituída pela Secretaria de Educação (SMED), sem nenhuma discussão com as comunidades, o que gerou inconformidade não só nos professores, mas também nos pais e alunos, com manifestação inclusive ao Ministério Público por muitos conselhos escolares. Essa mudança, além de diminuir o tempo semanal do horário escolar, trouxe prejuízo ao acompanhamento das crianças pequenas no horário do almoço.

A SMED acabou também com os horários de planejamento coletivo em todas as escolas municipais. Os professores igualmente foram coibidos de poder fazer duas horas de planejamento individual fora da escola, o que permitia pesquisa, organização de saídas de estudos e disponibilidade de espaço e equipamentos adequados, considerando que as escolas não contam com salas e equipamentos suficientes para este fim. Portanto, mais uma medida que só trouxe prejuízos para a educação municipal.

Segue em curso no país a disputa de dois projetos de nação, no qual se inclui a política educacional. Por um lado, a privatização e o desmonte da escola pública e o alinhamento às políticas de subserviência às grandes corporações internacionais, com a avaliação por testes padronizados externos, compra de apostilas de grandes empresas educacionais, terceirização da gestão e da docência, transferência de recursos públicos ao setor privado, educação com foco na preparação de mão-obra para o mercado. A Emenda Constitucional 95, que congela (portanto diminui) o investimento em educação, é a ação emblemática dessa política. Neste paradigma, mais do que os especialistas em Educação, os pesquisadores e as Universidades, quem dita as regras são os empresários, administradores, advogados, economistas. É a este modelo que se alinha a SMED: precarização das condições de trabalho, da merenda escolar, falta de professores, fechamento de setores e serviços de apoio.

O outro modelo possível está associado a um projeto de soberania nacional, com a afirmação do direito à educação de qualidade social, com gestão democrática, para toda a população, não enquadrada pelos modelos importados dos países imperialistas, com formação cidadã, integral e humanista, cujo currículo é construído em cada escola, a partir das bases nacionais. Neste caso, a arte, a música, a tecnologia, as ciências da natureza e as ciências sociais compõem com a matemática e a língua portuguesa o instrumental para a vida em sociedade. Cabe à cidade de Porto Alegre fazer sua escolha e sua defesa.

(*) Conselheiras representantes da Atempa no Conselho Municipal de Educação de Porto Alegre.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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