Opinião
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4 de outubro de 2014
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21:00

Eduardo e Luciana (por Pedro Guindani)

Por
Sul 21
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Eduardo e Luciana (por Pedro Guindani)
Eduardo e Luciana (por Pedro Guindani)

Os questionamentos que a Luciana Genro faz ao governo Dilma e a toda experiência petista são não apenas relevantes como úteis, e a agenda ambiental proposta pelo Eduardo Jorge não fica atrás nesses aspectos, bem pelo contrário. Some-se a isso o fato de que ambos foram, sem dúvida, os grandes destaques da rodada de debates – a Luciana, com sua postura combativa e, ao mesmo tempo, surpreendentemente, ponderada e pontual, e o Eduardo Jorge, com seu estilo peculiar e uma coerência de discurso exemplar –, além do bom currículo que os dois, em especial o Eduardo, têm na vida pública e a militância em causas de direitos civis que ambos, em especial a Luciana, sempre mantiveram.

Os votos neles seriam, portanto, alternativas interessantíssimas para o futuro do país. O problema é que, infelizmente, seu discurso atinge apenas determinada camada da população, mais intelectualizada e consciente das virtudes e defeitos do governo atual e de como suas propostas difeririam do petismo de resultados dominante. Pra bem e pra mal, Luciana Genro e Eduardo Jorge não têm qualquer chance real de chegar, ao menos nesta eleição, à Presidência da República. Os votos neles constituem, pois, apenas uma tomada de posição em defesa dos pontos defendidos por suas candidaturas, que não impedirão que a disputa num eventual segundo turno se dê entre dois nomes entre Dilma, Marina e Aécio.

Já ficou claro pra quem quiser entender que, apesar da aparente semelhança das candidaturas que ponteiam a disputa, há três caminhos a se seguir para o Brasil nesta eleição. O primeiro é o da continuidade do governo petista, com a manutenção da política econômica capitalista de estado e dos programas sociais de inclusão que já tiraram 30 milhões de pessoas da miséria. O segundo, simbolizado por Aécio, é o de um capitalismo liberaloide, em que quaisquer preocupações sociais ficariam à mercê das demandas e da boa vontade do mercado financeiro, conhecido por exigir medidas de austeridade de governos frágeis a fim de manter a lucratividade dos investimentos localizados. O terceiro caminho, o de Marina, é uma incógnita. Ela promete reformas sem base política, incremento de programas sociais sem inflação nem taxa de juros nem impostos altos e fala em conceitos vagos como nova política e divina providência. A menos que Deus realmente exista e ela tenha algo muito bem acertado com ele, parece um caminho nebuloso.

É uma pena que, mais uma vez, não se tenha constituído uma alternativa realmente consistente ao PT. Seria interessante um debate entre projetos de nação que pudesse efetivamente acrescentar conteúdo e ideias transformadoras que levassem adiante o trabalho feito nos últimos vinte anos, doze deles com o PT. Contudo, nem Aécio nem Marina parecem capazes de trazer nada de positivo, tendo em vista o perfil de suas candidaturas e seus objetivos declarados de tirar o PT do poder a qualquer custo. O debate nesse primeiro turno acabou sendo raso como um pires – e, pra ser justo, é preciso incluir o PT nessa falta de profundidade –, sem que se tenha avançado milímetros na construção de um país melhor e mais igual para todos.

A única forma de garantir a continuidade dos avanços recentes é manter Dilma no poder. Aécio seria um retrocesso e Marina tem o potencial de ser uma calamidade. Um segundo turno não modificaria isso; pelo contrário, forçaria uma aliança de conveniência, em que uma das candidaturas acabaria por absorver, ao menos em parte, quadros e ideias da outra, ainda que em muitos casos não haja qualquer convergência entre esses elementos; seria, pois, apenas um gesto de concessão com fins meramente eleitorais, e não uma intersecção de projetos nacionais. A experiência mais recente de segundo turno na eleição presidencial, na verdade, foi ainda pior: turbinados pela expressiva bancada obtida no Congresso, os evangélicos pressionaram tanto Serra quanto Dilma a se posicionarem contra o aborto, sob pena de represálias eleitorais de sua comunidade. O resultado foi que Serra, presidente da UNE durante o golpe militar e que passou anos exilado no Chile por sua oposição ao regime, passou a fustigar Dilma sobre esse e outros temas de relevância social sob um viés claramente direitista, até que Dilma cedeu e, guerrilheira na linha de frente do enfrentamento ao regime militar, teve também de ceder à chantagem eleitoral e dar sua opinião contrária à regulamentação do aborto. E assim estamos até hoje, 41 anos depois dos conservadores Estados Unidos efetuarem sua regulamentação do aborto e salvarem as vidas de milhões de mulheres que não tiveram que recorrer a cabides e outras técnicas rudimentares de interrupção de gravidez indesejada.

Outro episódio lamentável do segundo turno de 2010 foi o caso da bolinha de papel, quando Serra simulou uma lesão terrível ao ser atingido por tal artefato durante uma caminhada na Baixada Fluminense. Isso, infelizmente, não se compara aos golpes baixos registrados no segundo turno em 1989, que incluíram vestir sequestradores com camisas do PT e buscar uma ex-namorada de Lula para acusá-lo de exigir dela que abortasse a filha dos dois, além de uma acusação infundada de que Lula, se eleito, confiscaria as cadernetas de poupança – feito realizado por Collor em seu primeiro dia de mandato – e da franca manipulação de um compacto do debate final por parte da Rede Globo.

Assim, cabe perguntar: o que saiu dessas experiências de segundo turno, se não agressões, retrocessos, concessões eleitoreiras e alianças de conveniência? Sinceramente, não me recordo de nada. Não há indicativo, tampouco, de que um segundo turno nesta eleição seria minimamente superior ou mais produtivo que esses já citados; pelo contrário, o clima agitado da campanha até aqui permite concluir que as táticas poderiam ser ainda mais torpes e violentas que já foram nas ocasiões anteriores. Daí, resta perguntar: se Dilma é a melhor alternativa e o segundo turno não traz quaisquer resultados positivos, pra quê possibilitar o segundo turno se há – e parece haver – chance de evitá-lo? E aí voltamos a Luciana e Eduardo: os votos neles, nesta eleição em específico, apenas manteriam viva a chance de um retrocesso nos termos já citados e proporcionariam a beligerância infrutífera que caracteriza os segundos turnos nas eleições presidenciais em geral.

Argumenta-se que, em tese, uma votação expressiva para os dois candidatos traria o debate mais para a esquerda que eles defendem, correto? Mais ou menos. Em 2006, Heloísa Helena, do mesmo PSOL de Luciana, e Cristovam Buarque, do PDT, tiveram votações expressivas – bem mais que as que as pesquisas indicam que Luciana e Eduardo terão, inclusive. No entanto, o segundo turno, entre Lula e Geraldo Alckmin não foi pautado por questionamentos acerca da educação, como Cristovam gostaria, nem por críticas à reforma tributária e ao sistema financeiro, como seria da preferência do PSOL. Em vez disso, o debate pautou-se em torno das denúncias de corrupção do governo petista, sem que qualquer importância tenha sido dada aos dois candidatos derrotados no primeiro turno.

Em bom português: as votações do primeiro turno de partidos pequenos são desconsideradas. Heloísa fez mais de 10 milhões de votos em 2006 e não pautou debate algum em segundo turno, pois seu partido fez apenas meia dúzia de deputados. O mesmo se deu com o PV de Marina em 2010, quando ela teve votação ainda maior. Em contrapartida, os evangélicos, que sequer tiveram candidatos nessas eleições, forçaram a um retrocesso bem a seu gosto em 2010 justamente por terem obtido votações maciças e bancadas idem.

Então, no dia 5 de outubro, em vez de votar nos ótimos Eduardo e Luciana, vote nos candidatos a deputado federal e senador (não se tu for gaúcho, neste último caso!) do PV e do PSOL. Se os partidos tiverem bancadas expressivas no Congresso, aí sim poderão pautar o debate em sua melhor forma: dentro do Legislativo, onde as verdadeiras mudanças podem e devem acontecer. Aí Dilma terá a oposição de que precisa: vigilante, comprometida com o avanço em direitos civis e da sociedade em geral e não com o poder econômico ou religioso. Aí, um dia, talvez possamos ter um governo do PT forçado a negociar não com o PMDB ou o PSD para garantir maioria, mas sim com o PSOL ou o PV. Sonho, delírio, sim; mas as urnas estão aí justamente pra nos deixarem sonhar.

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Pedro Guindani é cineasta.

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