Opinião
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25 de julho de 2014
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08:32

Uma demissão política (por Israel Dutra)

Por
Sul 21
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Uma demissão política (por Israel Dutra)
Uma demissão política (por Israel Dutra)

Poderia ser uma quinta-feira qualquer na vida do motorista Adailson de Lima Rodrigues.  Uma quinta-feira de inverno.  O que ele não esperava era que neste dia, 17 de julho, os donos da empresa em que trabalha, a Trevo-  uma das maiores empresas rodoviárias de transporte de passageiros de Porto Alegre, lhe comunicassem que estava demitido. Por detrás da alegação de justa causa- que seria motivada por uma briga fora das dependências da empresa- estava a verdadeiro motivo: a “causa” era política.

A empresa Trevo, como parte do consórcio Unibus, opera com uma qualidade duvidosa. Não tem a devida licitação para a prática comercial que usufrui há muitos anos. Portanto, tem pouca ou nenhuma moral para aferir legalidade aos seus procedimentos.  Já se acostumou a viver fora da lei. Uma demissão ilegal e arbitrária .O que motiva esta decisão?

O motorista Adailson, um jovem, cheio de idéias, família, funcionário exemplar, cometeu uma grave infração, do ponto de vista da empresa. Ele foi um dos principais ativistas da greve dos trabalhadores rodoviários, que paralisou por duas semanas a cidade de Porto Alegre, questionando o modelo de transporte, as licitações e os lucros das empresas. Questionando a relação do poder público com os prestadores de serviço privados. Questionam o lugar e a valorização dos trabalhadores na sociedade. Pelo caminho aberto por Adailson e seus companheiros se expressaram vários trabalhadores, muitas categorias por todo o Brasil. Garis do Rio de Janeiro, Rodoviários de mais vinte cidades, incluindo as principais capitais do país, metroviários de São Paulo, metalúrgicos, professores. A greve dos rodoviários de Porto Alegre deixou os “donos do poder” em alerta. Depois das grandes manifestações de Junho de 2013, os empresários, articulados com os políticos servis e o grande baronato da mídia, entrou em apuros pela segunda vez. Essa é a “justa causa” da demissão de Adailson.

A mesma “causa” que levou o governador Geraldo Alckmin a demitir 42 funcionários do Metrô de São Paulo, durante a última greve, em 12 de junho de 2014. Uma demissão anunciada pelas câmeras de TV com o claro intuito de intimidar e quebrar a resistência dos grevistas.

O uso do fator repressivo para ameaçar lideranças grevistas é um fenômeno antigo e recorrente. Atualmente na Argentina, as entidades patronais têm utilizado deste expediente para deter fortes greves  e ocupações de fábrica como no caso da empresa Gestamp e na fábrica de cabos Lear. A maior parte dos demitidos são membros das comissões de fábrica  e representações da base sindical.

O caso de Adailson é expressivo.  Além de estar afastado por acidente de trabalho, o motorista não poderia ser demitido pois tem estabilidade garantida como representante dos funcionários na CIPA- Comissão Interna de Prevenção de Acidentes. Seu mandato na CIPA, portanto, sua estabilidade só venceria em Maio de 2015.

Os patrões não hesitam em utilizar os métodos espúrios para abafar as vozes dos trabalhadores, quando essas se levantam. Cada vez mais teremos ameaças e “exemplos” como o dos 42 do metro e o motorista Adailson, sobretudo num período onde se acirram as lutas, onde surgem novos atores no movimento sindical, com juventude e combatividade. Os velhos sindicatos, por demais burocratizados,  também temem a ascensão de novas lideranças.  E a exigência de decisões transparentes e democráticas no seio das categorias de trabalhadores abre espaço para novas lideranças.

A resposta dos colegas se fez sentir. Numa inédita mobilização dentro da empresa Trevo, duas paralisações foram realizadas, contando com a adesão unânime dos funcionários. 200 veículos deixaram de circular na cidade, mostrando a indignação dos colegas que exigem o retorno imediato de Adailson ao trabalho.

A luta entre os interesses de classe, organizada jurídica e politicamente, ganha contornos combativos, num momento de agudização do conflito. A demissão de Adailson tem a dimensão simbólica desta luta. Sua readmissão imediata é muito mais que uma causa justa.

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Israel Dutra é sociólogo e dirigente nacional do PSOL.

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