Opinião
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10 de junho de 2014
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11:45

Não parece verdade que o F9 morreu (por Pedro Henrique Jardim Tavares)

Por
Sul 21
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Eu lembro muito bem da primeira vez que meu pai me levou ao Beira-Rio. Era uma tarde ensolarada de sábado. Chegamos atrasados, com a bola rolando. O pai me puxava pela mão nos corredores que davam acesso aos portões das cadeiras. Antes de entrar, porém, parei por alguns segundos para contemplar a torcida. Foi a primeira vez que vi o mar vermelho de torcedores do Colorado. Impressionado e eufórico com o que eu acabara de ver, gritava:

– Olha, pai, a torcida.

Meu pai olhou para mim e sorriu, assim como um dos seguranças do estádio. O funcionário notou que era a minha primeira vez em um jogo do Inter. Ainda hoje consigo identificar no Gigante as crianças, que como eu naquela tarde ensolarada em plena década de 1990, que entram nas arquibancadas pela primeira vez. O vermelho berrante do Internacional dá uma sensação de felicidade iminente. Até hoje eu me sinto assim quando entro no Beira-Rio.

Naquele dia, o Inter tomou dois do Coritiba. Enquanto caminhávamos lentamente para deixar as cadeiras, olhei para a equipe paranaense, se dirigindo pro vestiário, olhei para o meu velho e perguntei:

– Pai, eles não vão levantar a taça?

– Hoje não tem taça, filho, não é final de campeonato.

Por um momento, senti uma certa felicidade. Eu não entendia muito bem como funcionava o sistema de disputa do campeonato, mas fiquei feliz ao saber que o Coritiba não iria levar nenhuma taça do Beira-Rio. Atrás de nós, um senhor que escutava a conversa, disse:

– Primeiro jogo do guri? Que judiaria. No próximo a gente ganha – falou, sorrindo para mim.

Não lembro qual foi o próximo jogo. Aquele final de década foi difícil para um pai que levava o filho aos jogos do Inter. Nos anos seguintes, confesso que minha relação com o Colorado não foi das mais intensas. Eu torcia, mas por vezes me dava a sensação que meu time não tinha muito futuro.

Chegou o ano de 2004, e um cara que eu nunca tinha ouvido falar desembarcou em Porto Alegre. Pra ser bem sincero, eu continuei não levando muita fé. Me parecia um daqueles jogadores que vinham pra jogar uma temporada, fazer uma dúzia de gols e ir embora. Eu não conhecia o futebol do Fernandão, mas por melhor que fosse, eu era bastante cético em relação a produtividade dele na equipe.

Só que aí o tal do Fernandão subiu para fazer o gol 1000 da história dos grenais. Pulou para fazer um gol de bicicleta contra o mesmo Coritiba que arruinou a minha primeira vez no Beira-Rio. E depois ele levantou todas as taças que eu queria ver. O Fernandão foi uma espécie de justiceiro tardio da minha infância.
Tenho uma imagem muito claro do meu herói: os braços abertos, que a cada gol saudavam a torcida. Uma torcida que confiou nele para mudar a história de uma equipe que precisava mostrar para crianças como eu que o Inter é Gigante.

Não parece verdade que o F9 morreu. Sinceramente, é estranho se acostumar com a ideia. A sensação é de que homens como Fernandão tem um contrato divino que lhes concede vida eterna. Talvez seja por isso que dizem: ídolos nunca morrem.

.oOo.

Pedro Henrique Jardim Tavares é estudante de jornalismo da PUCRS, estudou no Instituto de Comunicação de Paris (IICP) no segundo semestre de 2013.

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