Opinião
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14 de junho de 2014
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08:47

Insegurança e Medo Social (por Rodson Casanova)

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br

*Por Rodson Casanova

“Acorda amor
Eu tive um pesadelo agora
Sonhei que tinha gente lá fora
Batendo no portão, que aflição”.

Chico Buarque de Holanda

A indústria do medo vem ocupando todas as esferas sociais, atuando como forma de controle social e privilegiado campo de obtenção de lucros, como a indústria de armas e a indústria penal, onde, principalmente nos EUA, vemos encarceramentos em massa em prisões administradas pelo setor privado. O negócio rentável já está chegando a nosso país, com a transferência para o setor privado da administração de abrigos de menores no estado de São Paulo.

O fragmento da música “Acorda Amor”, de Chico Buarque, retrata o medo e a insegurança pelas perseguições policiais durante o período ditatorial pós 1964, mas com certeza é o sentimento de grande parte da população brasileira e mundial na atualidade. O assunto é pertinente, porém iremos explorá-lo no campo dos meios de comunicação de massa.

O tema da violência e segurança pública na contemporaneidade tem se tornado um importante mecanismo de termômetro político e eleitoral. Através do nível do discurso protetivo para os “cidadãos de bem(s)”, as administrações públicas têm mais ou menos sucesso frente à opinião pública, ou “opinião publicada”, no caso da grande mídia.

A violência sempre esteve presente em todas as esferas sociais, e no campo da literatura e comunicação não é diferente. Temos relatos de violência desde os escritores da Grécia antiga, passando pela literatura cristã, Velho e Novo Testamento, até autores clássicos do período da modernidade, como Tolstoi e Dostoievski no século XIX.

Mesmo a violência estando sempre presente, a forma com que ela passou a ser descrita tornou a ser de um modo diferente de como era manifestada por autores realistas como o anteriormente citado, e passou a ser descrita através de uma realidade invertida sobre o tema, diferenciando criminosos do resto das pessoas, como “nós” sendo os detentores de uma ética humana, e “eles”, os “desumanos”.

O papel do Estado e da mídia no discurso do ódio

“Num mundo que prefere a segurança à justiça, há cada vez mais gente
que aplaude o sacrifício da justiça no altar da segurança. Nas ruas das cidades
são celebradas as cerimônias. Cada vez que um delinqüente cai varado de
balas, a sociedade sente um alívio na doença que a atormenta”.

Eduardo Galeano.

O principal instrumento de poder da fase atual do imperialismo são os meios de comunicação, ou melhor, a era da informação. Marx já sinalizava n’O Capital que a grande expansão do capital do século XIX se deu pelo grande aumento dos meios de comunicação. Esse processo, de disseminação e homogeneização de estilos de vida Marx denomina de processo civilizatório. Essa tendência já era revelada em dois trabalhos anteriores de Marx e Engels, A ideologia Alemã e o Manifesto Comunista. Na primeira obra, Marx conclua que o “espírito do mundo”, que faz com que os homens se submetam a um poder estranho é o “mercado mundial”, e hoje vemos a globalização invadir todos os espaços penetráveis do globo. Na segunda obra, Marx e Engels descrevem que “A necessidade de mercados cada vez mais extensos para seus produtos impele a burguesia para todo o globo terrestre. Ela deve estabelecer-se em toda parte, instalar-se em toda parte, criar vínculos em toda parte”.

Marx, como um pensador a frente de seu tempo, já previa o processo de mundialização do capital que assistimos hoje, e o mais importante é que ele já trazia, no século XIX, novas relações que extrapolavam a produção material e que hoje, vemos a grande produção de bens simbólicos, importantes para a manutenção da hegemonia da classe burguesa.

Os meios de comunicação contemporâneos reproduzem a questão da violência sempre com um forte viés ideológico, ocultando a essência dos fatos e incitando a ideia de que a “violência está fora de controle”, que “não há precedentes para a criminalidade”. Recentemente, no mês de fevereiro, durante o programa jornalístico do canal SBT, a jornalista Raquel Sheherazade chamou a atenção do país ao fazer um discurso de ódio e incitando a violência ao defender os chamados “justiceiros”, grupos violentos que saem a “caçar” infratores e que naquele mês acorrentou um adolescente negro em um poste após violentá-lo fisicamente, no Rio de Janeiro.

Essas reproduções no nosso país como sabemos, não é algo novo, tendo relatos que desde o período colonial e escravocrata, índios e negros já eram exterminados e colocados sob controle na justificativa de que eram de raças inferiores, mas que escondiam o real interesse do modo de produção vigente para controlar esses segmentos. Durante a ditadura de Vargas no Estado Novo, na década de 40, o governo já criava medidas de controle, principalmente ao segmento adolescente e juvenil com o SAM – Serviço de Atendimento ao Menor, que recolhiam menores das ruas justificando que os mesmos teriam um grande potencial subversivo e seriam facilmente cooptados frente à “ameaça comunista”, espalhando o medo e o terror pelas cidades.

Essa política de propagação do medo através da “ameaça comunista” tornou a ganhar força durante a ditadura civil-militar, a partir de 1964, onde o governo cria a FUNABEM – Fundação Nacional de Bem-Estar ao Menor – voltando a propagandear o medo da “ameaça comunista” que se aproximava com o sucesso da empreitada do povo cubano pela sua libertação, e além de retirar menores das ruas, o Estado também chegava até as periferias prometendo um futuro brilhante para os filhos da população pobre, bastando os familiares entregarem para o Estado que seus filhos sairiam doutor ou engenheiro.

Durante a década de 1990, período neoliberal onde o país passou por grandes índices de desemprego estrutural, refração dos direitos sociais, informalidade, e assim gerando altos índices de criminalidade, sendo que a “ameaça comunista” já havia desaparecido com o “fim da história” de Fukuyama, o alvo passou a ser diretamente os pobres, principalmente a juventude dos cinturões de pobreza das capitais.

Para ocultar as causas estruturais, a grande mídia passou a esquadrinhar os culpados de sempre, agora com adendos sobre a falibilidade das leis, a impunidade e incitando subjetivamente uma responsabilidade para a população cobrar medidas que a ela e os governantes interessaria, como nas reportagens a seguir:

Mais sério, entretanto, é o fato de que as penas, no Brasil, vão chegando a extraordinário estágio de brandura. Ao crime hediondo deve corresponder punição severa. Se isso não acontece, a impunidade pode se tornar insuportável para a sociedade. (O Globo, editorial, 23/3/1996, p.6.)

Esse é o pano de fundo da discussão, estéril, sobre quem deve assumir a responsabilidade pela existência de menores infratores – chamem-se eles meninos de rua, menores abandonados ou tentam qualquer outra denominação. Quando, finalmente, o Código Penal será acionado para punir os pais infratores e responsáveis? (Jornal do Brasil, editorial, 31/5/1996, p.12.)

Notamos aqui, que o pulso é firme, mas o raciocínio nem tanto, com opiniões fundadas em uma lógica binária. Lembramos que estas são opiniões dos editores dos jornais, e que acabam dando a linha jornalística de todo o jornal.

Há momentos que o discurso se escancara e ganha um caráter polarizado de classe, como o da colunista da Folha de São Paulo, Bárbara Gancia:

Desconfio que chegamos finalmente a um beco sem saída, a um estado velado de guerra. Nós contra eles. E que, em um futuro próximo, a retaliação da classe média será atirar bombas e dar tiros de bazuca contra os barracos onde o inimigo supostamente se esconde.

O argumento é de um sensacionalismo e barbaridade que segue o que Guy Debord chamou em seu livro de Sociedade do Espetáculo, onde os acontecimentos ganham tons dramáticos através das reportagens, tendo mais importância quando um homem morde um cachorro, do que quando um cachorro morde um homem, ou seja, o que interessa é propagar o inusitado como se as próximas vítimas fossem nós.

A revolução não será televisionada.

“Ela é nossa mãe, nossa filha
Ela é nossa novela, nossa tela
Nossa tela, nossa cela, nossa solidão
Ela é nosso grande irmão
Ela é nossa solidão
Nossa santa, nossa sina, nossa senhora que ilumina
Nossa santa, nossa sina, ela é nossa assassina
Nefasta feiticeira, sinistra criatura
De manhã traz a doença e à noite vende a cura”.

Todas essas questões nos ajudam a compreender a função dos monopólios midiáticos na difusão da ideologia burguesa, do papel que os meios de comunicação cumprem no modo de produção capitalista, pois como diz Marx e Engels no primeiro capítulo da Ideologia Alemã, “As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante”. Thompson do mesmo modo contribui em seu livro sobre alienação e cultura de massas: “O desenvolvimento da comunicação de massa aumenta significativamente o raio de operação da ideologia nas sociedades modernas, pois possibilita que as formas simbólicas sejam transmitidas para audiências extensas e potencialmente amplas que estão dispersas no tempo e no espaço”.

Tomando o parágrafo como análise, é pertinente trazermos a frase de Gil Scott-Heron, “A revolução não será televisionada”. Porém, não podemos analisá-la apenas como uma negação de um aparelho de reprodução ideológica como propunha o estruturalismo de Althusser, mas considerando o modo de como está configurado o sistema midiático, vemos que é necessária uma profunda reforma nos meios de comunicação no Brasil, um passo necessário junto com outras reformas para acumular forças para a superação da ordem societária atual.

Sendo assim, é importante tomarmos consciência do nosso papel como indivíduo na história e estar em conexão com as pautas que os movimentos populares levantam como a Democratização da Mídia, proposta já encaminhada pelo executivo e barrada pelo Congresso Nacional, entretanto volta à tona o assunto atualmente, pois a sociedade civil organizada e parte da imprensa nacional já percebem a urgência de romper com o oligopólio midiático, que até em nossa Constituição não se vê lícito, no entanto esses setores ainda continuam atuando livremente e sendo o principal partido de oposição aos partidos que lutam pela superação do capitalismo e, como diz o Código de Ética da nossa profissão, aqueles que estão para lutar por uma nova ordem societária.

.oOo.

Rodson Casanova é estudante de Serviço Social da UFSM e militante da JAE RS

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