Opinião
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6 de março de 2014
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14:55

Uma analogia não tão estranha assim (Por Marino Boeira)

Por
Sul 21
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Os crimes de latrocínio são a forma mais brutal e violenta de realização da ética capitalista de lucro a qualquer custo.

O meu amigo paulista, bem sucedido executivo de uma multinacional de comunicação, ficou estupefato com a inclusão que eu estava fazendo dos marginais violentos das grandes cidades num sistema sócio-econômico que ele reputa como o mais adequado à sociedade brasileira e obviamente discordou com veemência da analogia que eu estava propondo.

É lógico que, num primeiro momento, a minha frase era do tipo “épater les bourgeois”, mas depois, refletindo sobre ela, me dei conta que a analogia não era tão estranha assim e decidi desenvolver a ideia para dividi-la com os leitores do Sul 21.

Vamos lá, então aos argumentos em favor da tese.

Na sociedade capitalista, as pessoas se dividem em classes, onde no topo ficam os grandes empresários, que mesmo sendo uma minoria numérica, detém quase todo o poder e na base, os trabalhadores, que mesmo sendo uma imensa maioria, vivem de um salário, nem sempre suficiente para atender suas necessidades básicas.

Na versão mais moderna dessa sociedade, entre estes dois extremos, existe uma camada intermediária formada por pessoas, que por sua inteligência, esforço pessoal e as vezes apenas sorte, consegue vender seus serviços e habilidades aos donos do poder, usufruindo assim de uma vida bem melhor do que a dos meros trabalhadores.

Ainda dentro desse espectro social, existe um grupo de pessoas, cada vez maior , principalmente nas grandes cidades, que afastado pela sua origem da nobreza capitalista, sem capacidade, pela sua origem familiar, de participar daquela camada intermediária , se recusa também a se integrar a dura vida dos trabalhadores.

Este grupo, ainda marginal dentro da sociedade, faz uma leitura simplificada e maniqueísta da realidade, assumindo como objetivo de vida a conquista a qualquer custo das benesses que a riqueza traz para as pessoas.

Como são incapazes de usar os sofisticados métodos que o alto empresariado dispõe para obter lucros sempre cada vez maiores, apostam na ação direta para fazer a transferência de renda para os seus bolsos.

Em vez da sonegação programada, que no Brasil alcança índices fantásticos (outro dia, o Sul21 publicou que os valores sonegados no País pagariam os projetos de educação e saúde do governo) , da influência junto aos maiores centros de decisão do País e da proteção legal assegurada por um aparato jurídico imbatível, que os grandes empresários dispõem, os marginais usam suas pistolas e revólveres para tomar o que não podem ou não querem conquistar de outra maneira.

A comparação pode parecer exagerada, mas dois exemplos, colocados nos extremos da sociedade brasileira, mostram que ela não é tão absurda assim.

Na ponta mais alta da hierarquia social brasileira, o banqueiro Daniel Dantas*, usou todos os métodos ilegais possíveis para atender ao seu objetivo de enriquecimento, da chantagem, ao crime e a corrupção. Nada que não pudesse fazer parte da forma de agir dos marginais que costumam atacar suas vítimas nas ruas das grandes cidades brasileiras.

Enquanto isso, organizações voltadas explicitamente para o crime organizado, como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), por exemplo, mesmo dentro da cadeia, projetam ações criminosas altamente organizadas e estabelecem sistemas internos de proteção para seus líderes, como apoio de grandes advogados e apoio político, como se fossem empresas legais.

No mundo capitalista, existem grandes empresas, onde empresários desonestos, eufemisticamente, dizem usar as brechas da lei para sonegar seus débitos fiscais e existem também os pequenos negociantes de bairro, que roubam no peso para ganhar um centavo a mais em suas vendas.

Tudo para ganhar mais dinheiro.

No mundo da marginalidade, além dos grandes empreendimentos criminosos, que usam uma logística de guerra e trabalham de uma forma profissional em seus grandes roubos, existem também os pequenos assaltantes que se aproveitam de um descuido momentânea das vítimas para roubar seus pertences e as vezes, sua vida.

Tudo para ganhar mais dinheiro.

Olhando a coisa dessa maneira, talvez até o meu amigo paulista viesse a concordar comigo que, na ânsia de ganhar mais dinheiro, existe uma perigosa semelhança nas ações do empresário desonesto e o ladrão da esquina.

(*) Marino Boeira é professor universitário

*Para conhecer a história de como o banqueiro Daniel Dantas, mesmo com seu passado, continua livre e fagueiro, o mais indicado é ler o livro Operação Banqueiro, de Rubens Valente, lançado pela Geração Editorial no início do ano.


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