Opinião
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26 de janeiro de 2014
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07:02

A relação entre MPB e Rolezinho (por Natan Arend)

Por
Sul 21
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Os movimentos populares são a objetivação de como a sociedade se organiza, ideológica e culturalmente. Nosso país, em sua conjuntura de exploração do popular, busca ao longo dos anos a criação de uma identidade do “ser Brasileiro” visto a exclusão social provocada pela inserção de movimentos importados de outros países que não condizem com a realidade local. O movimento de Música Popular Brasileira é um grande exemplo da criação de uma identidade nacional, que na década de 60 adicionou elementos da cultura folclórica a Bossa Nova (movimento elitizado que buscava a sofisticação da música nacional); a popularização dos elementos musicais e o reconhecimento da realidade brasileira disseminaram a música que mais tarde deu origem a outros movimentos como o samba-rock; além de ser um dos principais meios difusores da luta contra o regime militar instaurado em 1964. Em curtas palavras: reconheceu-se que a música de um país deve beber de sua própria cultura, ou seja, da cultura do povo para alcançar inclusive objetivos maiores que fogem das questões musicais.

Com a ascensão econômica fomos expostos a inúmeras ferramentas de elitização dos espaços, das ideias e da cultura. Logo, quem não contempla os requisitos étnicos sociais e financeiros, permanece marginalizado perante a sociedade como um todo. Isto, além de gerar um profundo descontentamento e frustração pessoal a quem não tem condições financeiras de usufruir das ferramentas de consumo e ao acesso à cultura, gerar problemas de pertencimento, afinal, nós mamíferos temos por necessidade sentirmo-nos parte de algo, o maior exemplo deste fator são as torcidas de times de futebol, onde o individuo é esquecido em detrimento de algo comum.

Com o advento da internet, torna-se possível a organização de outros grupos de pertencimento dentro da organização atual, o maior exemplo disto foram os protestos organizados em junho e julho de 2013 contra o aumento das passagens, que foi considerado um movimento genuinamente popular Brasileiro por unir pessoas de todas as classes sociais e intelectuais, objetivando positivamente seus gritos e cartazes por tarifas mais condizentes com a realidade monetária da maioria, mas devemos prestar atenção que existe uma objetivação de luta por igualdade social dentro deste movimento que é muito maior que somente alguns centavos das passagens.

Os rolezinhos (encontros marcados por jovens da periferia em shopping centers) por outro lado, vêm sendo criticado e reprimido fortemente por uma parcela da população que considera ter mais direitos devido a sua posição social. Logo, vemos que a estrutura social Brasileira apresenta grandes problemas de pertencimento, onde perde se a noção de comunidade, de população, ou seja, de ser Brasileiro.

Logo nos perguntamos o que é ser Brasileiro?

A televisão e a mídia como um todo tem um grande poder de criação deste imaginário do “ser Brasileiro” e elaborou de acordo com seus interesses publicitários e comerciais um padrão social bem delimitado, esse ser brasileiro é:

– possuidor de carro próprio (influencia da indústria automobilística tão necessária para o crescimento do país, já que a mesma representa quase 20% do PIB);

– Possuidor de casa própria (olhe pela janela de sua casa e veja você mesmo que estamos vivendo um boom imobiliário)

– Possuidor de poder de compra (que é estimulado pelo próprio governo com isenções fiscais a alguns bens duráveis para estimular a economia interna)

– Consumidor de produtos importados e de griffe (a publicidade e a globalização são ferramentas difusoras de um estilo de vida padrão de consumo que é financiado por grandes empresas de bens de consumo)

– Etc.

Logo, o desejo nacional se direciona a estes aspectos e quem não é possuidor ou consumidor está automaticamente descartado de tudo que é produzido pela indústria. Estes fatores globais são praticamente incontroláveis dentro de um país que se relaciona abertamente com outras economias do mundo e tem portas abertas para investimentos estrangeiros, porém o problema que isto gera a população Brasileira vem tomando proporções catastróficas devido à desigualdade social que o país apresenta.

O ser Brasileiro em algum momento se distanciou muito da realidade monetária da maioria da população. Alem ainda do fato de que o poder político ter alianças estreitas com a indústria e com a classe dominadora, o maior exemplo disto foram as liminares na justiça adquiridas por shopping Center de São Paulo para a proibição da entrada em shopping centers de pessoas que aparentam ser pertencentes de outro grupo social não bem-vindo aos olhos dos mais abastados, usando, inclusive da força estatal para a coibição social de ir e vir, mostrando que a política pública julga indivíduos da mesma sociedade de acordo com a classe social que o mesmo é pertencente. O abuso da violência é constante mesmo que nenhum crime seja cometido, já que na grande maioria dos casos nenhum furto foi registrado durante os eventos. A divergência sócio-econômica desagrada a todos e os mais atingidos são moradores da periferia, negros e pobres explorados e marginalizados em todos os espaços que frequentam, ou quase todos, já que ter um prestador de serviços que muitas vezes é pertencente de uma classe social muito baixa dentro de casa nunca foi um problema para os mais ricos, já que estes, são provedores de mão de obra barata para a manutenção de todos os luxos de uma casa limpa, bem cuidada e filhos bem tratados. Então me pergunto: Por que em alguns momentos esta parte da população não é bem-vinda e em outros sim? Complexo, não?

A resolução para esta grande disparidade de visão, cultura e organização social é complexa e gradativa. Deve-se partir do reconhecimento de que perante a nação todos são iguais. Logo, se faz necessária uma indagação sobre o pertencimento, sobre a sociedade e suas políticas. O governo, com a implantação de políticas sociais, vem aos poucos dando poder as classes dominadas através da transferência direta de renda a famílias em situação de pobreza e extrema pobreza em todo país, porém isto não está exemplificado numa política publica geral que englobe outros fatores como os de direto básico de cada cidadão. O estado peca em suas ações protecionistas de propriedade privada em vez de proteger o direito ao acesso aos mesmos. Estariam então os esforços políticos de incentivo ao consumo em virtude de uma aceleração do crescimento econômico gerando dor a população?

Os movimentos populares muitas vezes são produtos da cultura de exclusão, e eventos como o rolezinho não acontecem única e simplesmente pela vontade de encontro das camadas excluídas. São movimentos contra a exclusividade e a elitização de elementos essenciais da sociedade e a favor do acesso global aos espaços, da massificação da cultura, do poder de compra, que nos mostra a dor desta classe em não se sentir pertencente. Este movimento, a meu ver é um passo para uma sociedade mais igualitária que vem sendo inconscientemente buscada por jovens de periferia, negros e pobres, que deve ser ouvido e entendido como Movimento Popular Brasileiro de pertencimento, tão importante quanto a música na década de 60 para a criação de um novo ser Brasileiro, real e condizente. Espero que como na MPB, o popular venha a ser levado em conta pelas políticas públicas e econômicas, para que então o slogan de nosso país: um país de todos, se faça para todos e a população seja reconhecida como ela é. É hora de reinventar o que é ser Brasileiro!

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Natan Arend é estudante de Arquitetura e Urbanismo

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