Opinião
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15 de janeiro de 2014
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07:20

Que venha o primeiro beijo gay em uma novela brasileira (por Lucas Maróstica)

Por
Sul 21
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Foram necessários 49 anos de história e mais de 240 novelas transmitidas, para que a Rede Globo finalmente abrisse a possibilidade para a realização de um beijo gay em uma novela no horário nobre. Ao que tudo indica, a novela “Amor à Vida”, de Walcyr Carrasco, será palco da cena envolvendo Felix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso). Antes tarde do que nunca! Essa atitude demonstra uma abertura do povo brasileiro e das grandes mídias acerca de temas envolvendo a diversidade sexual. Esse momento não chega em vão, ele é consequência de muitos anos de lutas e avanços por parte do Movimento LGBT que vem conquistando um espaço político importante, mas ainda insuficiente pra derrubar as amarras do conservadorismo e da homofobia, que colocam nosso país em primeiro lugar no triste ranking de assassinatos a LGBTs.

Certamente pesquisas e avaliações foram feitas para que a emissora desse carta branca para a cena, e reportagens sobre o tema demonstram que o telespectador está realmente “a fim”, curioso, para vê-la. A tradicional família brasileira, patriarcal/cristã, que há 49 anos senta diante da TV para ver os desenrolares de amores “possíveis” e “impossíveis” entre homens e mulheres estará diante de um beijo gay. Toda a comoção e os comentários que essa possibilidade gera demonstram o quanto nós LGBTs ainda estamos à margem destes espaços. Isso é o reflexo da homofobia, em uma sociedade que custa a aceitar uma simples troca de afetos, pois está “fora das normalidades” , “da moral e dos bons costumes” e por isso ainda causa espanto e surpresa.

A cultura machista/homofóbica dominante também perpetua seus “ideais” através das artes. Onde estão os LGBTs nos seriados, filmes, documentários, livros, pinturas, músicas? Passamos a vida rodeados de uma arte da qual não fazemos parte. Somos excluídos. Artes que não contam as nossas histórias, são histórias em que sequer somos personagens ou meramente figurantes. Quando raro aparecemos “arruinamos casas”, “destruímos famílias”, “envergonhamos os outros” e inclusive “a nós mesmos”, por esse motivo, sofremos (e são “justificadas” por isso) violência gratuita, psicológica e física, e vejam bem, esse final é a realidade. A arte e a vida se alimentando. Perde-se ou nega-se o potencial transformador da arte e entrega-se às convenções. Da mesma forma age a televisão, concessão pública, que poderia ser uma grande aliada na luta por um mundo mais justo e demora a se posicionar, age timidamente, quase de má vontade.

As consequências dessa ausência de representação LGBT nas atrações culturais, ou mesmo dos perfis marginalizados que são mostrados, são graves: a primeira delas é um complexo de inferioridade que se instaura na população LGBT, são amarras, que consciente ou não, tiram a confiança, desqualificam, menosprezam e marginalizam o ser-LGBT, que deve permanecer no submundo, “dentro do armário”. Como complemento existem os perfis LGBTs higienizados que também são retratados, são LGBTs que não beijam, não transam, tem uma devoção pelo trabalho e pela família, suas vontades são amarradas pela sociedade que o vigia e o corrige. Ao mundo homofóbico é mais um pretexto para agir com violência, é parte do empoderamento do opressor, que vê suas práticas aceitas, refletidas e muitas das vezes, incentivadas.

Evidentemente, tudo isso se reflete nos espaços de poder. A começar pela representação política, na Câmara Federal de 513 deputados, temos apenas um LGBT, Jean Wyllys, que tem aberto um espaço de debates fundamental e enfrentado de frente o fundamentalismo religioso e o conservadorismo que assola nossos espaços legislativos. O mesmo se repete nas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas, direções de empresas, escolas, mercado de trabalho. Tudo isso demonstra o quanto ainda possuímos espaços importantes pra ocupar. A disputa política que travamos passa por diversos universos. Nossos desafios são imensos, pra isso contamos com a capacidade do ser humano de transformar radicalmente a sua própria realidade. Devemos usar isso ainda mais a nosso favor. 2013 foi marcado por beijaços, manifestações, paradas LGBTs, escrachos. Fomos parte importante de um ano histórico. Nossas lutas tem espalhado dentro da nossa sociedade, as sementes de um outro futuro, mais justo e igualitário. Ampliá-las e fortalecê-las é nosso dever!”

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Lucas Maróstica é diretor LGBT da UNE, do Coletivo Juntos

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