Opinião
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29 de janeiro de 2014
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07:34

Há alternativa? O pacto de responsabilidade fiscal de Hollande afirma que não (por Felipe Linden)

Por
Sul 21
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Se a estagnação econômica ainda sufoca boa parte da Europa, a crise moral parece perpetuar a sua decadência. Torna-se cada vez mais evidente o comodismo político, que abre mão do modelo social sob a imposição do fundamentalismo liberal e da austeridade. A bandeira que tentam erguer no solo do velho continente é o da competitividade. Mas deixar o modelo social morrer significa também renunciar ao projeto de integração democrática e aos valores que orientaram os Estados europeus durante décadas, que os transformaram em um espaço de justiça social aliada à prosperidade econômica no pós-guerra.

Mas porque deveríamos nos importar com o cambaleamento da Europa? O fatalismo incrustado no horizonte desses países pode ser um sintoma de um fenômeno universal. Algo da natureza do que o filósofo esloveno Slavoj Žižek já nos alarma, quando acusa a tendência presente do desenvolvimento capitalista em se divorciar (casamento que existia ao menos formalmente) da democracia. A China está aí: o autoritarismo e a repressão são sustentáculos da sua prosperidade vertiginosa que a alça à condição de grande potência contemporânea. Esclarecendo. O ponto da discussão não é a defesa da Europa ou a crítica da China, mas propor a reflexão sobre a situação em que nos encontramos, reféns de determinismos contra os quais não sabemos mais nos defender e onde nos amparar. Como essa situação de impotência, de descrédito generalizado na ação (política), age no presente imediato? Pensemos o “pacto de responsabilidade” do presidente francês François Hollande, anunciado dia 31 de dezembro.

O “pacto de responsabilidade” configura um verdadeiro turning-point no discurso do presidente socialista. Eleito defendendo a renegociação do rígido pacto fiscal europeu e o aumento das dispensas do Estado para estimular a economia – o que significava um afrontamento corajoso às diretrizes da U.E. –, Hollande anuncia agora, sob a égide da competitividade, medidas polêmicas. Estas englobam, grosso modo: redução de encargos para empresas, resultando em € 30 bilhões a menos nos cofres públicos; diminuição das despesas do Estado, no valor de € 50 bilhões. Plano para nenhum liberal botar defeito. De que maneira ele pretende economizar essa quantia de capital? A resposta, infelizmente, é presumível, embora não tenha sido pormenorizada pelo presidente até então. Provavelmente será operado o corte de repasses ao sistema de segurança social, algo que o presidente já sinalizou em outro pronunciamento, ou pelo aumento da carga tributária, solução não menos infeliz.

As reações ao pacto de Hollande chegaram de todos os lados. As medidas suscitaram aplausos da oposição e dividiram a base do governo. Aqui cabe um exercício interessante. Tente identificar o perfil ideológico do autor que escreveu a reação que trago abaixo:

[…] O presidente se ilude com sua política de oferta e seu pacto de responsabilidade. A situação das empresas não melhorará enquanto não houver crescimento e enquanto nós tivermos 5 milhões de desempregados. É necessário mudar de modelo econômico para a máquina voltar a funcionar […].

Quem assina é Marine Le Pen, presidente da Frente Nacional, partido de extrema direita proeminente no cenário político francês. De incomum êxito para quem defende ideias como as de seu programa, Le Pen recebeu cerca de 20% dos votos na campanha presidencial de 2012. Embora cause espanto perceber a influência que goza o partido, de valores nefastos e anti-republicanos, talvez o contexto atual da política seja capaz de amortizar a surpresa.

Quando a esquerda é inerte e falha em responder aos anseios que surgem a partir das contradições dos nossos tempos, optando pela submissão ao mercado em detrimento das demandas sociais, partidos como a Frente National encontram espaço e tornam-se, ao menos em imagem, o voto da contestação. Basta analisarmos a história recente, ano 2005. No referendo nacional feito sobre o projeto de Constituição única da União Europeia, mais da metade (55%) o rejeitou. O resultado do referendo pode ser interpretado como uma rejeição a concepção de uma Europa submissa à economia de mercado. Mais uma vez, a Frente Nacional foi protagonista a se engajar na campanha pelo “não”, na época com o pai de Marine ainda estava à frente do partido. Foram espertos em capitalizar a tensão contra a integração nos termos em que foi proposta pelo tratado constitucional.

O pacto trai exatamente as expectativas de que sob o governo socialista a França desenvolveria uma alternativa à Alemanha na Europa. Com a virada de Hollande, a presidente Merkel também faz parte da turma que está muy contente com o presidente, mas ele se defende: disse que não foi vencido pelo liberalismo e continua com suas convicções. Aí vai outro alerta de Žižek: quando falamos a língua do inimigo, já é um sinal de que perdemos a batalha. O laxismo é desolador.

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Felipe Linden é mestrando em comunicação na Universidade Paris X Nanterre e política na École des hautes études en sciences sociales.

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