Opinião
|
11 de janeiro de 2014
|
07:50

A árvore e a floresta (por Marino Boeira)

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br

Karl Marx, o gênio político que escreveu O Capital e o Manifesto Comunista, entre outras obras de relevante valor histórico, não tinha papas na língua quando enfrentava uma discussão política e costumava usar os adjetivos mais agressivos da língua alemã contra seus adversários, incluindo os mais explícitos argumentos racistas.

Numa carta a Engels, escrita em 30 de junho de 1862 e citada por Slavoj Zizek em seu livro Às Portas da Revolução, Marx assim se refere a Ferdinand Lassale – um dos fundadores da socialdemocracia alemã e seu rival dentro dela: “é um judeu seboso disfarçado sob brilhantina e jóias baratas” e foi mais além, no seu racismo, misturado com  falidos conceitos lombrosianos: “Está agora totalmente claro para mim que o formato de sua cabeça e seu cabelo indicam que ele é descendente dos negros que se uniram à fuga de Moisés do Egito (a não ser que sua mãe ou avó paternas tivessem cruzado com um negro)” .Isso que Marx também era de origem judaica.

O fato de ser um racista, como a maioria dos intelectuais brancos da segunda metade do século XIX, não impede que a obra de Marx de interpretação econômica, política e social do capitalismo e a elaboração de um modelo socialista, seja ainda hoje vista como a grande síntese das principais correntes da cultura européia da época: a filosofia alemã, o socialismo francês e as escolas econômicas inglesas.

Agora, imagine a manchete de um hipotético necrológio de Marx feito pelo mais influente jornal gaúcho da atualidade: “Morre um racista comunista”, fazendo jus a aquele velho aforismo: tem gente que só enxerga a árvore e não vê a floresta em volta.

Essas lembranças surgem quando a leitura diária desse jornal gaúcho mostra como o seu apego à parte, em vez de se preocupar com o todo, impede que seu leitor entenda o processo de uma forma completa e consiga, com base nas informações que recebe, ter uma visão real da situação no Estado e no País.

Um exemplo: no site nacional do PT, alguém escreveu uma crítica ao governador de Pernambuco e candidato a Presidente, Eduardo Campos, usando adjetivos pouco contundentes, pelo menos se comparados com o que disse Marx, como bobo e garoto mimado. Bastou para que a principal colunista política do jornal colocasse em manchete na sua coluna: “Desrespeito do PT é um mau começo”.

Em todas as pesquisas com eleitores sobre os principais problemas públicos, sempre aparecem genericamente referências à segurança, educação, saúde e transporte.  Apontar problemas nessas áreas, sem mostrar suas origens históricas e sem dizer o que está sendo feito para saná-los é uma estratégia que o nosso principal jornal segue diariamente.

Basta uma olhada superficial em suas últimas edições para constatar suas posições sempre parciais. O sistema prisional é o pior que existe e logo teremos repetidos aqui no Sul os tristes episódios do Maranhão. Quando o Governo anuncia planos para diminuir a população do Presídio Central, sempre são ouvidos os depoimentos de quem não acredita na eficiência do que é anunciado.

Os pedágios nas estradas é um capítulo a parte. Aspiração maior de toda a população gaúcha, que conviveu durante anos com os preços escorchantes dos pedágios, a passagem do controle para a ERG de algumas praças, com a diminuição dos valores cobrados e a extinção de outras, foi vista com desconfianças pelo jornal.  Primeiro, disseram que não haveria socorro de urgência. Quando o Governo informou que a SAMU faria esse papel, continuaram duvidando da eficiência do serviço.  Um dos seus jornalistas, falando em nome dos usuários, ainda que sem um mandato deles, disse que era melhor pagar e ter uma boa estrada, já antecipando que as estradas não serão bem conservadas.

No caso da saúde, todos os dias têm uma crítica aos serviços do SUS, que, se não são os melhores, ajudam e em muito, os que não podem pagar os caros planos de saúde ou a medicina privada.  Isso, sem falar, no projeto  Mais Médicos, com a importação, segundo o jornal, de trabalho escravo de Cuba. A informação de que a medicina cubana é responsável pelo fato daquele país ter o menor índice de mortalidade infantil do mundo, menor mesmo que os Estados Unidos, não é notícia que mereça destaque, embora seja uma garantia da qualidade dos serviços médicos que o Brasil está utilizando.

Capítulo à parte é a questão da Educação.  Uma matéria altamente tendenciosa sobre o Julinho, gera até hoje manchetes e artigos com destaque no jornal. É claro que o colégio, que já foi um padrão de qualidade em educação no Estado, mas que foi deixado de lado por sucessivas administrações, tem problemas, mas certamente está longe de viver no caos que o jornal quer mostrar. É fácil direcionar a matéria jornalística para os fins desejados pelo seu autor, ouvindo apenas os críticos e mostrando apenas o que existe de ruim. Quem quer falar mal do Governo nessa questão de educação, tem sempre espaço no jornal. Esta semana, até a presidente do sindicato dos professores, que no passado, principalmente durante o governo Yeda, era vista como uma subversiva, aparece numa página nobre do jornal, com direito inclusive a uma foto no cabeçalho, falando ma l da política educacional do PT.

Ganha um doce quem apontar qual a razão de tanta má vontade contra os governos do PT, que na pior das hipóteses, fizeram muito mais dos que seus antecessores, principalmente na área federal.

Se você apostou que toda essa esta miopia, de quem enxerga apenas a parte e não o todo, não é fruto apenas de uma falta de maior entendimento de todas as nuances do que acontece na realidade, mas sim uma política deliberada de interferência no processo eleitoral que se avizinha, buscando apoiar os candidatos da linha anti-PT, pode ir se regalando com um mil-folhas, um quindim ou um papo de anjo.

O doce é virtual, mas as intenções do jornal são bem reais.

.oOo.

Marino Boeira é professor universitário.

Sul21 reserva este espaço para seus leitores. Envie sua colaboração para o e-mail op@homolog.homolog.sul21.com.br, com nome e profissão.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora