Opinião
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24 de outubro de 2012
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07:58

Quem ainda acredita em milagres?

Por
Sul 21
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Por Marino Boeira

A Igreja Católica parece não temer o ridículo. Como se fosse uma grande ópera bufa, tão cara aos italianos, o senhor Joseph Ratzinger, mais conhecido como Papa Bento XVI, reuniu milhares de pessoas na Praça de São Pedro em Roma, esta semana, para anunciar que a sua igreja tinha mais sete novos santos.  Com isso, pelas mãos de Ratzinger, as hostes celestiais ganharam 44 novos santos em seus oito anos de pontificado, além de mais de 600 beatos, estágio anterior á declaração de santidade.

Ratzinger, que ainda não explicou com clareza a sua participação na Juventude Hitlerista e na Wermarcht alemã durante a segunda guerra mundial, atendeu a um pedido do cardeal Angelo Mato, prefeito regional da Congregação das Causas dos Santos, que identificou em cada um dos novos santos a capacidade de fazer algum tipo de milagre, quase todos ocorridos há muito tempo atrás, dando razão a Christopher Hitchens, quando nos diz em seu livro Deus não é Grande, que “os milagres diminuíram em seu impacto espantoso desde os tempos antigos” e que, aqueles oferecidos mais recentemente foram mal-ajambrados. Como exemplo, Hitchens cita a famosa liquefação anual do sangue de San Genaro em Nápoles, “um fenômeno que pode ser e tem sido repetido por qualquer mágico competente”

Outro ativo defensor do ateísmo, Richard Dawkins, diz que o século XIX foi o último momento em que foi possível para uma pessoa culta admitir milagres como a gravidez da virgem sem sentir vergonha. “Quando pressionado, muitos cristãos cultos hoje em dia são leais demais para negar a virgindade de Maria e a ressurreição. Mas isso os faz sentir vergonha porque sua mente racional sabe que é absurdo, portanto eles preferem não questionados sobre o assunto”

Ratzinger e o cardeal Mato, ou não são cristãos cultos ou ainda estão no século XIX.

Dos novos santos da Igreja Católica quatro são mulheres, entre as quais pela primeira vez uma ameríndia, Catarina Tekakwitha, conhecida como o Lírio dos Mohawks, convertida pelos jesuítas no final do século XVII.  Filha de um chefe indígena da nação Mohawks e uma mãe pertencente a outra tribo e que havia sido catequizada pelos jesuítas, nasceu em 1656 perto da cidade de Port Orange, no Canadá. Aos 20 anos.depois de fugir da tribo dos Mohawks, Catarina recebeu abrigo numa missão dos jesuítas próxima de Montreal, onde foi batizada e fez votos de virgindade permanente. Catarina, segunda a história contada pelos seus fieis, tinha sofrido c om uma infecção pela varíola quando criança, o que a deixou praticamente cega e com o rosto desfigurado.

O primeiro milagre atribuído a Catarina tem a ver com a sua aparência física, logo após a sua morte aos 24 anos.

Vale à pena ler o testemunho do Padre Pierre Cholenec sobre o pretenso milagre  que deu origem à devoção à nova santa:

“No momento de sua morte, a face de Catarina, tão desfigurada em vida, quinze minutos após seu falecimento subitamente mudou e em instantes tornou-se tão bela, que assim que eu vi isto (eu estava rezando ao seu lado) eu dei um grito, fiquei tão aturdido, e mandei chamar o padre que estava atendendo as cerimônias da Quinta-feira Santa. Ao tomar conhecimento deste prodígio, ele acorreu com algumas pessoas que estavam com ele. Nós pudemos contemplar aquela maravilha até o momento de seu funeral. Eu admito francamente que meu primeiro pensamento, na ocasião, fora que Catarina podia ter entrado no Céu naquele instante e que ela tinha recebido – como por antecipação – em seu corpo virginal uma pequena indicação da glória que sua alma já teria possuído no Paraíso”

A Igreja Católica, que durante muito tempo pôs em dúvida a condição de seres humanos dos índios, havia com a Companhia de Jesus iniciado o processo de catequização dos indígenas americanos na expectativa de torná-los cristãos, a serviço principalmente da coroa espanhola. A experiência pode não ter sido um sucesso, mas rendeu agora a nomeação de uma santa originária desses esforços e ajuda o Vaticano a melhorar sua posição junto a uma minoria étnica tão desprezada no passado.

Pena que falar em milagre, com toda a pompa que cercou o anunciado dos novos santos, está na contramão de qualquer conhecimento científico.

Citando novamente Hitchens:

“Um milagre é uma perturbação ou interrupção do rumo esperado e estabelecido das coisas. Isso pode envolver qualquer coisa, desde o sol nascer no oeste até um animal de repetente começar a recitar versos.Muito bem, então o livro arbítrio também implica decisão. Se você parece estar testemunhando tal coisa, há duas possibilidades. A primeira é que as leis da natureza foram suspensas. A segunda é que você está equivocado ou tendo uma ilusão. Assim, é preciso a avaliar a probabilidade da segunda em comparação com a probabilidade da primeira. Se você só ouve falar de um milagre em segunda ou terceira mão, é preciso dosar as possibilidades em função disse antes de decidir se você pode dar créd ito a uma testemunha que alega ter visto algo que você não pode ver. E, se você estiver separado da visão por muitas gerações e não tiver corroboração independente, as chances devem ser ajustadas de forma mais dramática”.

Esse parece ser o caso da ameríndia Catarina Tekakwitha, que morreu em 1.680.

Marino Boeira é professor universitário.

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