Opinião
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16 de outubro de 2012
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14:00

PT, que partido é esse?

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br

Por Marino Boeira

O PT nunca foi um partido de esquerda no sentido de que os partidos de esquerda têm como finalidade última a construção de uma sociedade baseada na propriedade social dos meios de produção. Basicamente, ele foi uma construção de sindicalistas, a maioria oriunda do ABC paulista e egressos dos movimentos sociais da igreja Católica. Enquanto os primeiros defendiam uma relação mais justa entre patrões e operários, os segundos propugnavam por uma sociedade mais humana, os dois dentro das possibilidades de uma sociedade burguesa e capitalista.Os políticos egressos dos partidos comunistas e dos movimentos de guerrilha durante os governos militares, que ingressaram mais tarde no PT, acabaram por assumir a sua linha reformista, com algumas honrosas exceções.

Em brilhante artigo do professor Paulo Marques sobre o resultado da eleição para prefeito de Porto Alegre,publicado na semana passada pelo Sul21, é feita uma análise da mudança na ideologia dos eleitores, com a construção de um consenso liberal em oposição ao que ele acredita ter sido no passado a opção por um modelo de esquerda, representado pelo PT.

A correção da análise não invalida que se questione até que ponto o PT foi alguma vez um partido de esquerda, principalmente em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul. O PT ganhou as eleições para prefeito de Porto Alegre com Olívio, Pont e Tarso duas vezes, praticamente sem alianças com outros partidos, amparado apenas no apoio de um eleitorado, que mais do que de esquerda, era movido por um sentimento quase religioso de purificação das práticas políticas.

Este sentimento chegou ao seu limite máximo com a vitória de Olívio Dutra para o governo do Estado. Embora tenha feito um bom governo dentro de suas possibilidades políticas, Olívio e seus companheiros foram incapazes de se sobrepor a uma grande campanha de desestabilização movida pela RBS com apoio dos partidos políticos, inclusive o seu aliado, o PDT. Ironicamente, foi uma CPI na Assembléia Legislativa sobre o financiamento do partido pelo jogo do bicho, que começou a corroer o grande patrimônio ético que o PT usava como bandeira junto aos eleitores.

Em 2002, na campanha para a Presidência, Lula, com sua grande perspicácia política, depois de três derrotas sucessivas para Collor e FHC, afirmou que só concorreria pela quarta vez se fosse para ganhar. O PT aceitou e, felizmente, se transformou num partido político, que busca o poder e que para chegar lá é obrigado a fazer concessões e estabelecer negociações com  outros partidos.

Enquanto isso, aqui no Sul, na sucessão de Olívio Dutra, a radicalização verbal na disputa eleitoral entre Tarso e Britto favoreceu um outsider – Germano Rigotto, que havia perdido as eleições para prefeito de Caxias – com um discurso de conciliação que atendeu o espírito moderado do eleitor gaúcho.  No pleito seguinte, uma novidade – uma mulher disputando o governo – provocou uma união entre os eleitores conservadores, tradicionais nas eleições no Estado, com aqueles sedentos de novidades. A vitória de Yeda tem muito a ver com um moralismo latente nos nossos eleitores, que imaginavam que uma mulher estaria acima das maquinações políticas que tanto detestam.

Deu no que deu: um dos piores governos da história rio-grandense.

Na eleição seguinte, Tarso e o PT pareciam ter aprendido a lição dada por Lula e também por Dilma: uma ampla coligação cobrindo quase todo o espectro político, da esquerda para a direita, garantiu a eleição no primeiro turno.

Infelizmente, isso foi esquecido nas eleições para a prefeitura de Porto Alegre. Em vez de uma aliança com o PSB e PCdoB, mesmo que sem a cabeça de chapa, que teria criado chances para uma possível vitória, o partido teve uma recaída para uma posição isolacionista e pela primeira vez nos últimos 20 anos ficou fora da disputa do segundo turno

As próximas eleições – federal e estadual – vão mostrar até que ponto o PT se transformou num partido de verdade, onde convivem bons e maus, honestos e corruptos, como em todos os lugares e possa continuar em sua política reformista , que tanto bem fez para o Brasil, dentro dos limites impostos por uma sociedade burguesa e capitalista. Para isso, mesmo com as criticas ferozes dos neoliberais e o desprezo dos adeptos de uma pureza impossível nas relações políticas, precisará ampliar sua estratégia de grandes coalizões com os partidos do centro-direita.

As eleições de 2014 serão possivelmente uma das últimas chances dos neoliberais de tentar brecar as políticas de desenvolvimento econômico e social na qual vivemos nos últimos 10 anos. Quem viu a capa da revista Veja dessa semana, saudando as condenações do chamado mensalão como a redenção do povo brasileiro, pode ter uma pálida idéia de como será o esforço mediático de convencimento dos eleitores de que o PT é o centro da corrupção no Brasil e que não deve ser confirmado para mais um quadriênio no governo.

Nos anos que antecederam o golpe de 64, o papel de criação de um consenso antipopular como preparação para a derrubada do governo de João Goulart, foi exercido fundamentalmente pelo IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), organizações fundadas pelo publicitário americano Ivan Hasslocher, mas que teve no general Golbery do Couto e Silva seu grande líder. Sua proposta era influenciar no debate econômico, político e social do país. Mas com o apoio financeiro da CIA, fez mais do que isso, financiando a formação de uma bancada de políticos de direita no parlamento e criando um clima de histeria contra uma pretensa intenção da esquerda de fundar uma hipotética república sindicalista.

Hoje, este papel está sendo cumprido pelo Instituto Milenium, que diz na sua apresentação ter por objetivo “atingir a opinião pública, conscientizando-a sobre os valores que considera primordiais para o fortalecimento da democracia e para o desenvolvimento do país.” Quando se lê, porém, a relação dos apoiadores do Instituto fica a dúvida sobre que tipo de democracia e desenvolvimento está sendo proposto. Veja se é possível confiar nos objetivos desses  “mantenedores e parceiros”, listados no site do Instituto; Grupo Abril, Grupo Gerdau, RBS, Estadão, IEE, AMCHAM, ABERT,  Endireita Brasil, Universidade Estácio, CIE  e a doadores como Armindo Fraga, Antônio Carlos Vidigal, José Roberto Marinho José Celso Macedo Soares e Roberto Civita, entre outros.

Qualquer semelhança com o período que antecedeu o golpe de 64 e os dias de hoje, certamente não é mera coincidência.

Marino Boeira é professor universitário

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