Opinião
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5 de novembro de 2011
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08:10

Amor, nem sempre

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br

Por Carol Bensimon

Publicado no blog da Companhia das Letras

Eu me lembro de textos horríveis que fiz quando tinha dezoito anos. Aos dezoito anos, a gente costuma escrever sobre o amor. Não é uma idade sutil, e toda a energia que temos parece escorrer num lajeado e despencar de uma altura suficiente para machucar o outro ou a nós mesmos. E daí você escreve coisas como essa que eu acabei de escrever. Onde há muita dor e nenhuma técnica, certamente há muito clichê e uma porção de frases mal construídas.

Na verdade, as primeiras coisas que escrevi foram contos policiais, é o que parece o certo no início, contos policiais com personagens de nomes anglo-saxões e que se passavam muito longe daqui, esse era o tamanho do meu universo pré-adolescente, embora eu nunca tivesse visto um homem morto de verdade, ou talvez por isso mesmo. Depois, o amor meio que se sagra o dono do campinho. Provavelmente aconteceu com todo mundo que hoje preenche com a palavra “escritor” a ficha cadastral de um hotel, sem contar aqueles que só escreveram na adolescência, poemas, ou quem sabe contos, e isso sem nunca ter lido Drummond, mas é claro que tendo lido Bukowski, o que nos dá uma parcial dimensão do estrago.

A questão é que, aos dezoito anos, o amor parece ser o único tema supostamente complexo que a gente tem condições (e vontade) de encarar. O que, convenhamos, é uma coisa curiosa, uma vez que a nossa vida também é tocada por outras questões, como as confusas e amorosas e por vezes bélicas relações familiares, como violência urbana, como amizade, como a profissão que você escolheu aos dezessete porque assistiu a uma palestra e tudo pareceu muito legal (mas não há mais certezas quanto a isso), ou ainda como a finitude da existência, se você tiver um pouco de azar.

Tudo bem, ainda não somos bons observadores a essa altura e, se todas essas coisas citadas acima nos dizem respeito, as muitas nuances que as envolvem nos passam um tanto despercebidas. Repito: não é uma idade sutil, está mais para o elefante dentro da loja de cristais. O momento em que mesmo os tímidos são estabanados.

Felizmente e infelizmente, isso acaba. Eu tinha vinte e cinco anos quando escrevi meu primeiro livro. Três histórias, nenhuma delas sobre amor. Até a arquitetura começou a me interessar mais do que as brigas de casais; a relação das pessoas com o lugar onde elas moram, uma certa simbiose entre concreto e sentimentos. Se havia amor, esse que costuma pressupor um homem, uma mulher e muitas confusões, ele corria num segundo plano, ou melhor, num terceiro plano, ou num quarto, um pontinho numa grande paisagem onde se via coisas mais interessantes.

Acho chato, repetitivo, o amor muito meloso, mas sobretudo as histórias que envolvem um casal em cenas cotidianas supostamente engraçadas, esteja isso na literatura, no cinema ou no teatro. Veja bem, não sou uma pessoa amarga. Exercito meus músculos faciais com frequência acima da média. Mas essas situações, do tipo casal brigando por um controle remoto, eu deveria rir de uma coisa dessas? Identificação zero. É tão convencional que me causa mal-estar. Não brigamos aqui em casa por controle remoto. Aliás, sequer temos uma televisão. Mas aí você se dá conta que isso nada tem a ver com o amor. Essas discussões e picuinhas de casal, estilizadas pela risada “fácil”, estão falando sobre a instituição do casamento, só isso. E não em tom de crítica, pelo contrário: são comidinha para o rebanho. Tudo bem, eu não sou fã mesmo da comédia em estado puro, me deixem.

A verdade é que esse universo fechado em duas pessoas não é bem a minha praia. A gente vai ficando velho e restritivo. Eu também não vejo filmes nos quais as pessoas têm doenças terminais, por exemplo. Mas isso deve acontecer com uma boa parte de vocês. Gosto, por outro lado, quando a relação a dois faz parte de uma engrenagem muito maior; é o caso do absurdamente inesquecível Revolutionary Road, do Richard Yates. Ou de O grande Gatsby.

Aliás, sobre aquilo que eu escrevia aos dezoito anos: não era amor, claro.

Carol Bensimon é escritora


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