Opinião
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11 de julho de 2011
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14:36

Infiltrados no Estado Novo

Por
Sul 21
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A PIDE acreditava que a Opus Dei conspirava para controlar o regime do Estado Novo

Por José Carlos Marques

O relatório da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) de Setembro de 1963 não deixa dúvidas sobre aquilo que a polícia política do Estado Novo pensava acerca das ação do Opus Dei em Portugal. Uma frase resume todas as desconfianças: “Os representantes espanhóis sempre procuraram encontrar para dirigente em Portugal um homem com nome político e prestígio suficientes que o levasse um dia a fazer parte do Governo”.

A frase consta de um dos documentos dos arquivos da PIDE, guardados na Torre do Tombo (Arquivo Nacional de Portugal), que serve de base ao livro Salazar e a Conspiração do Opus Dei, da autoria de António José Vilela e Pedro Ramos Brandão (edição Casa da Letras), acabado de chegar aos escaparates (vitrines).

Universidade foi a porta

O livro mostra como a PIDE vigiou a prelatura chefiada por José María Escrivá de Balaguer desde a sua entrada em Portugal, em 1946, quando um grupo de cinco universitários espanhóis e um cubano chegaram a Coimbra para fundar uma residência para estudantes.

E se, no início, os agentes da PIDE não descortinaram nada de suspeito nas atividades dos membros do Opus Dei – que depressa abriram novas residências, para vários membros da organização em Lisboa e Porto –, essa percepção foi mudando. Nos anos 60 Salazar foi informado pela polícia política de que o Opus Dei tinha em curso um plano para fazer chegar elementos seus ao governo e até para escolher o seu sucessor. A PIDE vigiou atentamente vários elementos da organização católica e até antigos ministros de Salazar, suspeitos de pertenceram ao Opus Dei.

“O livro é sobretudo um retrato do que consta nos ficheiros da PIDE. Percebe-se que a polícia estava convencida de que havia uma conspiração, não tanto para derrubar o regime do Estado Novo mas para condicionar a sucessão de Salazar e tentar que o governo português agisse de acordo com os princípios ultraconservadores de Escrivá Balaguer”, explica um dos autores, António José Vilela, jornalista e professor universitário.

O livro revela vários nomes que constam nos relatórios da PIDE como personalidades que terão sido aliciadas. Marcello Caetano e Adriano Moreira, ambos ministros de Salazar são apontados como alvos do Opus Dei (Adriano Moreira é mesmo apontado como o mais provável sucessor do Presidente do Conselho), mas ambos terão resistido ao assédio.

Outros ex-ministros do Estado Novo, como Leite Pinto, Vieira Barbosa e Cavaleiro Ferreira, são apontados como membros do Opus Dei, mas a polícia nunca terá conseguido provar as ligações de uma organização católica que sempre primou pela discrição.

O livro aborda também as tensões entre Escrivá de Balaguer (que visitou Portugal 12 vezes) e o cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Cerejeira. “Começaram por ter uma relação muito próxima, mas Cerejeira sentiu que o seu poder estava a ser posto em causa. Tentou reagir, mas não podia travar o Opus Dei, que só responde a Roma. Cortou relações com Escrivá”, conta António José Vilela.

O Opus Dei seguiu em Portugal a receita que o fez vingar em Espanha e no resto do Mundo: recrutar os melhores e ajudá-los chegar a lugares de topo. Mas o Estado Novo resistiu à conspiração.

Ditador sempore esteve a par da conspiração

O livro de António José Vilela e Pedro Ramos Brandão mostra que os agentes da PIDE enviaram a Salazar vários relatórios sobre as atividades do Opus Dei em Portugal. “Ele esteve sempre ao corrente das convicções da PIDE, que a dado momento se convenceu de que o Opus Dei conspirava para condicionar a escolha do seu sucessor. Mas quer os arquivos da PIDE quer o próprio arquivo pessoal de Salazar são omissos em relação à reação do ditador. Não sabemos que ações é que ele tomou após ser informado”, conta António Vilela.

Um dos relatórios da PIDE revela que Salazar não tinha grande apreço pela organização católica, mas o Opus Dei teve sempre liberdade de criar residências e associações em várias cidades do País. Os seus membros assumiram lugares importantes em universidades, bancos e empresas sem serem incomodados. A PIDE montou vigilâncias e apreendeu correspondência mas não consta que tenha havido detenções.

* Os grifos foram acrescentados


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