Opinião
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14 de junho de 2011
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14:30

Um novo direito

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br

Por Moysés Pinto Neto

Percorri boa parte do Estado nesse semestre: Passo Fundo, Santa Maria, Santiago, Rio Grande, além de visitar a Escola de Advocacia da OAB, a UFRGS e o local onde leciono, a ULBRA. Além disso, a internet tem me apresentado parceiros e parceiras da indagação crítica disposta a questionar as bases do direito posto e estudantes ansiosos pelo contraponto ao status quo. Percebo em toda parte uma efervescência que não se intimida diante da possibilidade de ruptura. Não tem medo. São pessoas que cansaram desses tempos tímidos, opacos, monótonos, em que convivem dentro e fora do direito dois campos parecidos entre si: uma direita cínica e uma esquerda envergonhada. Elas cansaram de ouvir cantilenas salvadoras quando vêem na rua pessoas sofrendo sem necessidade, quando percebem a sintomática de uma época cuja normalidade é doente, quando apontam ao horizonte e percebem que esse mundo não tem nada a oferecer.

É preciso que esse desejo não seja apagado, reprimido, conciliado. A energia que sinto nos diversos locais onde ando não é mais dos pragmatismos metódicos, dos realismos políticos, dos pactos com Mefistófelis. É a energia da “Grande Recusa” de Blanchot e Marcuse, de uma geração que não suporta mais viver no desemparo e na desilusão e de uma geração mais nova para a qual o horizonte ainda está aberto e sonhar baixo ainda é tolice.

Por onde vou, percebo que uma minoria – mas uma minoria barulhenta, capaz de acordar os sonâmbulos se reunida – reivindica não apenas mudanças pontuais, ajustes técnicos, pequenas concessões. Ela quer nada menos que tudo – ou seja, quer arrancar sua vida dos dispositivos de poder nos quais foi capturada. Não sucumbe mais ao medo macartista de que tudo que não é liberalismo político é, por si só, antidemocrático, e exatamente por isso retruca mostrando o quando o “Estado de Direito” hoje se tornou uma plutocracia disfarçada capaz de cinicamente rir de si mesma. Não se contenta mais com discursos de que “está tudo resolvido”, porque é capaz de esticar o pescoço e olhar para o mundo, perceber o porvir, almejar o novo.

É tempo de superarmos os eixos em que o direito estava situado e avançarmos para além da discussão hermenêutica e argumentativa. É preciso questionar rapidamente a ontologia do direito, isto é, o como a estrutura normativa do Estado captura a vida e a retém numa fórmula típica, formalizando kafkianamente tudo que está ao seu redor. É hora de nos atentarmos que a judicialização como efeito colateral da extensão dos direitos fundamentais é, na realidade, um efeito do direito enquanto juridificação da vida e formalização do informalizável. É hora de retomarmos a discussão que importa: a justiça.

Não podemos perder a chance de recuperar as energias contestatórias que os últimos 30 anos deixaram afundar na tecnocracia. As questões estão colocadas da forma mais prática possível. Não podemos nos deixar intimidar pelas ameaças tecnocratas que exigem a captura de toda singularidade numa estrutura sistemática. A “insegurança” dos tecnocratas é o próprio movimento da vida, a possibilidade de acontecimento do novo. Sua “segurança” é a totalidade fechada, o engessamento, a violência contra a diferença. Não tememos a insegurança porque não temos medo. Sabemos que não podemos contar com um otimismo mentiroso – otimismo de um progresso que ridiculariza o sofrimento dos vencidos -, mas com a ação que transforma, com o gesto, com a verbalidade do verbo, a singularidade do instante, a loucura da decisão. Recuperar esse espaço singular é tarefa para o pensamento que vem.


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