Opinião
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1 de março de 2011
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11:23

Oscar virou festa entre amigos. Deram férias aos neurônios

Por
Sul 21
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Oscar virou festa entre amigos. Deram férias aos neurônios
Oscar virou festa entre amigos. Deram férias aos neurônios

Por Mário Marcos de Souza

Bons tempos aqueles em que o fã de cinema assistia à festa do Oscar, se divertia com o glamour natural das grandes estrelas, mas era gratificado, especialmente, pela certeza de que havia massa cinzenta em atividade naquele amplo teatro. Hoje, ficou apenas o fascínio do ambiente – os neurônios parecem ter entrado em uma espécie de hibernação.

Quem não lembra da cena de 1979, quando a ativista Sacheen Littlefather, representante da nação Sioux, ergueu-se de sua cadeira e subiu ao palco para receber o Oscar de Marlon Brando por O Poderoso Chefão? Ali estava um recado de um homem inquieto: sua representante foi uma mulher de uma das nações duramente castigadas pelo colonizador branco. Foi um impacto ver aquela índia orgulhosa receber o troféu (D, na foto, com Roger Moore e Liv Ulmann) e ler trechos de um discurso escrito por Brando. Na ocasião, a Academia limitou o tempo de Sacheen em 45 segundos e ela só conseguiu ler algumas linhas (no dia seguinte, a íntegra do discurso foi publicada pelo The New York Times).

Dá uma saudade danada destes tempos em que, em nome de suas convicções, atores chegavam a recusar o Oscar.

Ou de 2003, o ano em que Michael Moore recebeu um inesperado prêmio por um de seus documentários, o demolidor e excepcional Tiros em Columbine (se você não viu ainda, corra a uma locadora e assista. É imperdível). Foi surpreendente porque ele incomodava o sistema – e a Academia não se sente confortável em premiar diretores assim.

Moore subiu ao palco e, numa época em que o país ainda estava traumatizado pelo atentado às torres gêmeas, teve coragem de criticar duramente o governo, denunciar as mentiras que levaram à guerra no Iraque e dizer que o país era dirigido por um “presidente de ficção”.

A parte engajada (mas silenciosa até então) aplaudiu, alguns sorriram com ar de aprovação, mas o lado conservador chegou a se mexer nas cadeiras, desconfortável, e vaiou Moore. Mesmo assim ele seguiu com seu discurso lembrando que Bush fraudara as eleições (veja a entrega do Oscar e o discurso de Moore no vídeo abaixo) e mentira sobre a guerra. Estava certo, como os fatos comprovariam fartamente.

Pois bem, na noite de domingo, a festa foi tecnicamente perfeita, mas insossa, sem opinião, alienada.

O mundo está diante de convulsões nos países árabes e, mesmo assim, nenhum dos participantes fez ao menos um pequeno alerta para os riscos potenciais na região. Nenhum deles pediu, por exemplo, para que seu poderoso país resista às pressões dos mercadores de armas e evite se envolver em outro conflito – ou tente determinar como os povos de cada região devem viver ou sentir.

A festa do Oscar passou ao largo de uma época como esta.

O único momento de opinião foi do diretor do documentário vencedor. Trabalho Interno (Inside Job), sobre a crise econòmica determinada pelos grandes conglomerados.

Ao receber a estatueta, Charles Ferguson lembrou que quatro anos depois da crise que abalou o mundo nenhum dos empresários diretores dos bancos está na cadeia. Pelo contrário, muitos deles seguem no comando das empresas, como se não tivessem qualquer culpa.

Foi bom ouvir a mensagem – mas ela quase foi ignorada em meio a tantas brincadeiras, agradecimentos piegas e deslumbramentos no Teatro Kodak. É provável que a frase de Ferguson nem tenha sido convenientemente ouvida.

Faltou massa cinzenta na festa do Oscar.

Assista agora ao discurso de Moore:


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