Opinião
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4 de março de 2011
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09:13

Meu filho, o doutor

Por
Sul 21
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Por Franklin Cunha (*)

Moacyr Scliar tinha duas condições para tornar-se escritor: era médico e judeu. Não entrarei nas explicações, polêmicas às vezes, de porque a dupla situação pessoal, produz tantos e excelentes escritores. De onde vem a histórica associação entre judaísmo e medicina? Tentando responder esta questão, Scliar no seu atraente e didático livro MEU FILHO, O DOUTOR (Artemed, 2001, não citado nas relações publicadas imprensa) foi buscar a resposta na história, na literatura e é claro, no famoso humor judaico.

Quando ele me autografou o livro com uma carinhosa mensagem e até com uma tão bondosa quanto exagerada homenagem ao que eu escrevia, disse a ele que o livro vinha a calhar porque abordava exatamente um tema que para mim era algo misterioso e que ele, certamente esclareceria.

Há capítulos neste livro de pura erudição e de encantamento que só um escritor de grande formação humanística como Scliar poderia escrever. Cito, particularmente, o capítulo 8: Psicanálise, judaísmo, literatura, onde através da história da vida de Ítalo Svevo, pseudônimo de Ettore Schmitz, judeu de cultura italiana, verifica-se de como um judeu, vivendo em locais de culturas variadas e conflitantes, pode delas ter uma visão interna por viver nessa regiões e uma visão externa e crítica, exatamente por ser judeu. Não é diferente a situação do escritor judeu-alemão Norbert Elias e dos escritores judeus-italianos Carlo Ginzburg e Umberto Eco.

Penso que MEU FILHO, O DOUTOR, por tratar-se na verdade de notável livro de ensaios, gênero do qual gosto e me dedico sobremaneira, é uma das obras de Scliar que mais me encantou. Assim como A ESTRANHA NAÇÃO DE RAFAEL MENDES (L&PM,1983), classificado como romance, é também um fantástico ensaio histórico sobre a identidade judaica, isto é, as lutas para mantê-la e no caso desse livro , a sofrida e longa saga de um marrano português.

Enfim a obra imensa de Scliar está sendo analisada nos diversos necrológios que a imprensa local e nacional anda a publicar e a está analisando melhor do que eu faria. Como editor da secção Medicina e Literatura do jornal MenteCorpo, competentemente dirigido pelo médico psicaanalista e escritor João Gomes Mariante, cabe-me pois, apenas comentar e me limitar ao fenômeno da intrigante e instigante associação entre médicos e literatura . Poderia citar uma penca de colegas judeus que se dedicaram a escrever e , em geral, de forma brilhante. Poderia dizer como Tchecov quando instado por amigos a abandonar a medicina, respondeu a eles que a medicina era sua profissão e que a literatura era sua amante. Finalmente, poderia acrescentar que Moacyr Scliar foi fiel às duas, e que nelas colocou todo o seu amor, admiração e respeito pela vida do ser humano.

Imagino que quando Moacyr veio ao mundo no bairro Bonfim, seu José e dona Sara Scliar, devem ter dito com alegria que tinha nascido “nosso filho, o doutor”. Mal poderiam adivinhar, que além de um competente médico, quão grande escritor ele seria.

(*) Médico


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